A História também é aquilo que fazemos dela

Estamos a viver um período historicamente conturbado, que pode vir a causar mudanças a nível mundial. Como se uma pandemia não fosse suficiente para 2020, todas as questões relacionadas com o racismo têm resultado em manifestações e, mais recentemente, em estátuas vandalizadas. Tenho pensado muito sobre estes assuntos, até porque é quase impossível não pensar neles.

Aquilo em que mais tenho pensado — e no qual já pensei tantas vezes antes — é nas aulas de História. Nunca fui má aluna a História, embora houvesse períodos históricos de que não gostava e achasse muitas aulas aborrecidas. O período histórico em que mais tenho pensado é nos Descobrimentos.

Em Portugal há uma tendência generalizada para se glorificar os Descobrimentos, principalmente na História. É inegável que o que os portugueses (e outros) fizeram naquela época foi notável. Lançaram-se ao desconhecido e foram em busca de outros lugares. Descobriram uns, sim, mas outros já tinham vida por lá. Talvez tenham começado de forma inocente, porque queriam conhecer e aprender, mas com conhecimento vem poder e a sede de poder é grande o suficiente para que tenham querido controlar aquilo que estavam a conhecer.

Sempre senti que, nas aulas, nos davam uma perspectiva positiva deste período, muito ao género do se não fosse por nós, aqueles povos nunca podiam evoluir. Mas e as partes negativas? Aqueles navios chegaram a portos seguros, trataram de compreender o local a que chegaram e depois começaram a deixar as suas marcas. E as pessoas que lá estavam?

Lembro-me de ser realçado que Portugal tinha sido dos primeiros países do mundo a abolir a escravatura. O que nunca disseram foi que tinham abolido em teoria e não em prática, principalmente nas colónias. Por que motivo nunca contamos a história toda?

Os dois lados da História

Percebo a revolta contra o racismo e contra a glorificação exagerada de um período de opressão, mas não percebo os extremos. A História não se pode mudar, mas podemos aprender a vê-la e a ensiná-la de uma forma mais correcta e leal ao que realmente aconteceu.

Não concordo, por isso, com isto de se deitar estátuas abaixo. No entanto, acho que deviam ser contextualizadas. Não podemos viver com fantasmas históricos, com medo de assumir aquilo que aconteceu no mundo. Isto acontece tanto para a colonização como para regimes opressores. Claro que as estátuas e monumentos servem para glorificar algo, mas se as contextualizarmos à luz da actualidade conseguimos ter ali fontes imensuráveis de conhecimento e de Histórias.

Por exemplo, Portugal não precisa de estátuas de Salazar. Mas precisa de algo que ensine e lembre aquilo que se viveu durante o Estado Novo, para que não haja saudosistas de um regime opressor, que reclamam que a vida era melhor naquele tempo. E, tal como neste caso, muitos outros necessitam de ser re-contextualizados e ensinados de forma a que as partes más não fiquem de fora, a que se lute contra os fantasmas históricos.

Já não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos compreender melhor e mudar a forma como a História é vista e explicada a partir daqui. Talvez esteja na altura de o fazermos.

Esta publicação foi inspirada num texto escrito pela Leonor, no light.

3 Replies to “A História também é aquilo que fazemos dela”

  1. «A História não se pode mudar, mas podemos aprender a vê-la e a ensiná-la de uma forma mais correcta e leal ao que realmente aconteceu», acredito que este é o grande segredo. Claro que há acontecimentos que não podem ser glorificados, mas termos essa representação a explicar o seu conceito e tudo aquilo que implicaram ajudam-nos a compreender a verdade, a saber o que não podemos repetir.

  2. Gostei muito do teu ponto de vista, mesmo assemelhando-se ao meu! Estou disposta a mudar a palavra “Descobrimentos” do meu vocabulário para “Expansão”, não sei se é o mais correto, porém sinto que seja o mais apropriado! é uma questão de contextualização, de educação e de crescimento cívico. Obrigada pela tua partilha, Sofia 🙂

partilha a tua teoria...