O que escrevemos é sempre pessoal?

Quando olho para o meu percurso na escrita noto que foi feito em duas fases. A primeira fase, de 2007 a 2014, foi uma fase extremamente pessoal. A segunda fase, de 2014 ou 2015 até agora, deixou de ser tanto assim. Apesar de ter alguma noção disto, só me dei realmente ao trabalho de pensar sobre isto quando, há uns meses, li um artigo no The Writing Cooperative, chamado When Your Writing Embarrasses Your Family. Será que o que escrevemos é sempre pessoal? Será que alguma vez conseguimos abandonar a pessoalidade da escrita?

Escreve sobre o que sabes

Lembrei-me desse tal artigo esta semana, quando comecei a ler Estás Aí?, o primeiro livro de ficção de Dolly Alderton. Tinha terminado Tudo O Que Sei Sobre Amor no dia anterior e, por isso, estava realmente embrenhada na escrita dela. Ao fim de dois capítulos não consegui evitar perguntar-me se aquele livro afinal não era assim tanto de ficção porque via muitos pontos de contacto entre a narrativa de ficção e a de não ficção.

Se fizeres uma pesquisa rápida sobre dicas para escrever, é possível que te cruzes com uma dica simples e muitas vezes eficaz: escreve sobre o que sabes. Que é como quem diz: escreve sobre o mundo em que vives, sobre as pessoas que conheces, sobre os lugares onde vais. Mesmo que seja ficção. Pega no que conheces e transforma-o numa história.

É fácil perceber porquê: se não tiveres conhecimentos sobre cerejeiras e tiveres de escrever sobre elas vai ser difícil conseguires dizer alguma coisa.

Mas e se és o Jon Snow e não sabes nada?

Isto não significa que só podes escrever sobre coisas que viveste. Significa que é a forma mais fácil de contar uma história, porque é só mesmo contá-la, não precisas de estudar o que vais contar. Se calhar, uma história que fala sobre algo que viveste ou que viste acontecer sai muito mais autenticamente da tua mente para as tuas palavras, mas não quer dizer que seja a única maneira de escrever de forma autêntica.

Durante muitos anos eu escrevi de forma totalmente pessoal, sobre o que via e vivia. Agora também o faço, mas de forma muito mais dissimulada. Mal sabes o nome dos meus amigos e mal tens ideia do que se passa na minha vida… mas se calhar se leres tudo o que escrevo percebes muito da minha vida, mesmo sem notares que assim é.

Quando escrevo uma história como o conto Pedro e Rodrigo é muito difícil dizeres que é uma história pessoal, porque nada ali se baseia na minha vida. No entanto é uma das histórias mais pessoais que posso escrever: fala daquilo em que acredito, fala de amor, fala da vida. 

A resposta mais directa que tenho para dar à pergunta que dá título a este texto, tudo o que escrevemos é pessoal?, é sim. Sim, tudo o que escrevemos é pessoal. Mesmo quando não escrevemos sobre nós ou sobre a nossa vida. Até o texto mais analítico e frio vai ser pessoal, porque é a nossa visão, única e pessoal, a analisar e escrever aquelas palavras.

Ter uma escrita pessoal não significa que dizes o nome de toda a gente e que é óbvio que estás a contar algo que te aconteceu. Significa apenas que, escrevas sobre o que escreveres, fazes as pessoas sentir que estão a ler algo que te aconteceu e essa proximidade é que cria relações. 

4 Replies to “O que escrevemos é sempre pessoal?”

  1. Acredito que há uma diferença entre ser pessoal e ser biográfico, precisamente pelo que referes no penúltimo parágrafo. Há muito de mim em todos os textos/poemas que escrevo, porque carregam a forma como olho para determinadas situações, no entanto, nem todos representam o que se passa na minha vida. E acho que isso é das coisas mais incríveis da escrita 🙂

  2. Realmente…deu-me que pensar.
    Percebo e concordo que ter uma escrita pessoal não é apresentar toda a gente mas sim contar algo que te aconteceu ou com que te identifiques.
    Obrigada por esta partilha.

  3. Sem dúvida. E saber refletir, sem nada acusar, o mundo interno no externo…. Impactando através das palavras, cores, timbre e melodias, é pura arte!

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