Ainda me lembro dos tempos em que definia o lugar de onde venho como sendo demasiado pequeno. Não o definia assim pelas suas fronteiras no mapa nem pelo número de habitantes, embora tivesse legitimidade para tal. Definia-o assim porque, como qualquer adolescente a crescer no interior de Portugal, via tudo acontecer longe, tão longe. Parecia sempre que tudo o que era fora daqui era melhor: mais bonito, mais diversificado, com mentalidade mais aberta, com pessoas melhores.
Quando fui para Lisboa quase acreditei que queria viver ali para sempre, mas depois de quatro anos já não podia sequer suportar um mês de vida por lá. Tem sido engraçado viver ao lado do Porto, mas o choque de realidade que Lisboa me deu entre 2013 e 2019 serviu para me tornar mais consciente e para me mostrar que havia muita arrogância e uma certa ignorância na minha forma de ver o mundo.
Não é que este seja o lugar mais bonito do mundo, não é de todo diversificado, a mentalidade coletiva ainda não é assim tão aberta e as pessoas não são perfeitas, mas não há vista mais bonita do que da nossa casa, não há maior diversidade do que a da procura pela própria diversidade, a mentalidade coletiva ainda não é assim tão aberta no geral, não é só aqui, e as pessoas podem ser más em todo o lado.
Aqui há dias, depois de uma aula via Zoom, disse no Twitter que compreendo as desvantagens, mas claramente nasci para trabalho e estudo remotos. Adoro-os profundamente. Quero-os na minha vida. Neste mestrado, o estudo remoto é esporádico, aconteceu apenas num dia de greve de metro e em duas aulas de compensação lecionadas em janeiro. Mas, no campo do trabalho, gosto muito de ver que, nas áreas que me interessam, o trabalho remoto se está a tornar uma realidade e uma opção individual porque é para lá que quero caminhar. Claro que uma pessoa não se fica pelos sonhos e vai procurando tudo, mas tenta-se.
Os regimes de trabalho remoto agradam-me porque me permitem pensar numa vida que, nos últimos dois anos, se revelou condizente com aquilo que mais me dá paz de espírito: a vida no campo.
A vida no campo, da qual achava que abdicaria para uma vida numa cidade de milhares, trouxe-me um estilo de vida mais próximo da pessoa que me tornei: as caminhadas no meio da natureza, sem barulho de fundo que não venha dos meus podcasts ou da conversa, o silêncio quebrado apenas pela minha música, o tempo de sobra ao fim do dia, as manhãs calmas.
Ainda não se dissipou, mas viver no campo, ou, na realidade, viver no interior, significava sempre não ter o mesmo acesso a oportunidade de trabalho. Se vias uma oferta boa de uma empresa situada no Porto, em Lisboa ou em Coimbra tinhas obrigatoriamente de te mudar para lá. O trabalho remoto permite-te estar onde realmente queres estar sem te auto-excluíres de um trabalho.
Não sei quando ou se isto poderá ser realidade para mim, mas, se tivesse hipótese de trabalhar remotamente, podes ter a certeza de que grande parte do meu tempo seria passado aqui, a acordar cedo porque gosto de o fazer, a fazer caminhadas regulares, a não perder horas em deslocações, a poder sentar-me no jardim sem poluição sonora. Não é que isto seja perfeito ou que traga toda uma vida idílica, porque tudo tem as suas desvantagens, mas podes ter a certeza de que, por muito mundo que queira ver, me vais encontrar desejosa de estar em casa, com vista para a serra da Estrela, a aproveitar o silêncio e a tranquilidade. Lisboa tornou-me a pessoa que sou, o Porto é sublime, mas não há nada como estar em casa.
É verdade, não há mesmo nada como a nossa casa, sobretudo, quando nos tornamos mais conscientes do conforto que nos proporciona [a vários níveis]; quando nos descobrimos e conseguimos ajustar o nosso ritmo, sem sentirmos que estamos a perder coisas por morarmos longe, até porque, por mais que soe a lugar comum, cada vez mais vamos conseguindo arranjar forma de encurtar essas distâncias.
Que publicação bonita, Sofia <3