ser mais consciente a comprar livros

Quando fiz o exercício de ir ver todas as TBR que tinha publicado neste blog desde 2015 ia com um objetivo em mente: queria perceber até que ponto tenho deixado livros para trás. A minha sensação geral é de que não sou boa a cumprir TBR, no entanto este ano tenho conseguido seguir as listas que preparo e acho que isso se deve a uma mudança de mentalidade: nos últimos anos tenho-me tornado ainda mais consciente a comprar livros.

Para dar um contexto: eu não cresci a ter muitos livros. Requisitava muitos na biblioteca da escola e relia os mesmos livros que tinha em casa porque, por muito que a minha mãe dissesse que não se importava de gastar dinheiro com livros, eu sempre fui muito consciente e controlada em gastos. Odeio créditos (o primeiro e único crédito que tenho é para pagar dentista), sempre preferi juntar dinheiro e comprar as coisas quando podia e se tinha de abdicar de comprar coisas por não ter dinheiro abdicava e não pedia à minha mãe.

A minha pequena biblioteca

Lembro-me de, em 2011, ter uma pequenina prateleira com livros. Eram dezanove. Hoje são mais. Muitos mais. Não tenho a certeza do número certo, mas ultrapassa as duas centenas. Todos estes livros foram chegando cá a casa das mais variadas formas: prendas de anos e de Natal, compras esporádicas com saldo do Cartão Continente, uma ou outra oferta de autores, algum investimento quando comecei a trabalhar e o privilégio que tive, durante uns meses da minha vida, de ter acesso facilitado a livros. Aí isto descambou muito. Nesses meses trouxe mais livros do que devia, tenho plena consciência disso. É por isso que, na lista de livros por ler que fiz recentemente, a maior parte está cá desde esse ano.

Sempre adorei ver salas, quartos ou escritórios com grandes prateleiras cheias de livros e, embora nunca tenha sonhado com isso (porque não tinha sequer casa para isso), quando comecei a ter tantos livros foi algo que achei que iria acontecer — e que achei que queria que acontecesse. Até que, talvez em 2020 ou em 2021, percebi que não me deixava assim tão feliz ter tantos livros se não os tinha lido. Eu queria a biblioteca grande, sim, mas queria que isso significasse que eu tinha lido aqueles livros e, vou ser sincera, houve uma altura em que a relação entre lidos lidos e por ler das minhas prateleiras pendia mais para os livros por ler. Não sei se chegaram a ser mais, mas pareciam mais. Ou talvez fosse sentimento de culpa.

E a minha pequena biblioteca digital

Para mim sempre pesou outro fator: o Kindle. No início — e durante uns anos — enchia o Kindle de ebooks. Via livros sobre temas interessantes gratuitos na Kindle Store e comprava. Via clássicos gratuitos e comprava. Via ebooks que queria ler eventualmente a menos de quatro dólares e comprava. Não podia gastar dinheiro e arranjava sempre ebooks. A certo ponto percebi que me estava a causar uma certa ansiedade olhar para a pasta de não lidos do Kindle e ver centenas de títulos quando sabia que já não queria ler uns e que outros talvez nunca tivesse querido realmente ler. Foi uma das limpezas digitais que mais gosto me deu.

Ainda assim, o Kindle ajudou (e ajuda) a não comprar tantos livros físicos. Havia muitos livros que queria ler, mas não achava que queria ter então foi sempre um ponto forte ter o Kindle porque comprava muito mais barato portanto dava para mais livros.

Quando percebi que tinha demasiados livros por ler (eram uns 180)

Há três anos, fiz um book buying ban pela primeira vez. Estive quatro meses sem comprar qualquer livro ou ebook. Na altura, tinha cerca de 180 livros por ler, entre físicos e ebooks. Quando comecei a listar estes livros fiquei assoberbada. Nesses quatro meses li, vendi e ofereci alguns. Foi o primeiro impacto. Foi nessa altura em que cancelei as newsletters da Amazon — e nunca as reativei, o que me salvou digitalmente. As da Bertrand e da Wook confesso que reativei depois.

Não me fiquei por aí. Comecei a ser ainda mais estratégica nas minhas compras literárias. Promoções de 20%? Passo. Tenho mesmo a certeza de que quero ler isto nos próximos tempos? Não? Passo. É vontade de ler ou é fear of missing out?

Ainda assim, continuavam a ser muitos livros por ler. Porque podia ler uns, mas depois comprava outros tantos. Até que, no verão passado, num surto de já não me identifico misturado com estou a mudar, decidi rever todos os livros que tinha na lista para ler do Goodreads. Percebi que havia umas quantas dezenas de livros que já não me interessavam e, com isso, percebi que alguns desses eram livros que eu tinha. Fazer uma limpeza em listas de desejos e, posteriormente, nos livros que realmente tinha permitiu-me uma maior consciência literária.

Comprar mais livros do que é possível ler

Eu ainda compro livros, obviamente. Aliás, ainda compro mais livros do que é possível ler. Continuo com muitos livros por ler, por isso acho que se nota. No entanto já estou bem longe dos 180 de há três anos.

Tenho mesmo pensado mais na forma como consumo literatura. Há umas semanas, em pesquisas académicas, li vários artigos com críticas ao bookstagram e ao booktok. Uma crítica comum era o facto de muitos destes perfis incentivarem ao consumo excessivo. Eu não noto isso nos perfis que sigo, mas compreendo parte das críticas. Eu gosto de ver vídeos a mostrar os últimos livros comprados, por exemplo, e até já fiz alguns do género, mas se estivermos sempre a ver as mesmas pessoas mostrar livros novos quase todas as semanas se calhar podemos interpretar isso de outra forma… mesmo que não seja o objetivo do criador de conteúdo.

Sinto que, para mim, só funciona se for consciente nestas compras como sou em todas as outras. Aquilo que, no último ano, tenho tentado fazer é uma questão pessoal, porque cada um faz as coisas que fazem sentido para si mesmo, mas também é algo que sinto que respeita os livros.

  • Quase deixei de comprar ebooks. Como não recebo as promoções da Amazon no e-mail só sei que existem se estiver realmente à procura daquele ebook, pelo que não fico tentada a aproveitar uma promoção só porque é muito boa. As promoções voltam.
  • Tentar ler os livros num curto período de tempo depois de os comprar. Ainda é algo a trabalhar, porque, por exemplo, entre o meu aniversário e o Natal comprei imensos livros e ainda não li metade. No entanto nos ebooks é algo que resulta muito bem comigo: se não vou ler em breve então deixo ficar.
  • Neste momento tenho listado, no Notion, todos os livros que tenho por ler (físicos e digitais). Coloquei uma coluna com o título do livro e outra com o ano em que comprei ou recebi. Para além de estar organizado (o que me ajuda), também é uma forma de poder pensar nas minhas leituras com base em prioridades ou com base em está aqui há tanto tempo, coitadinho.
  • A não ser que seja um lançamento que não quero mesmo perder (tipo Dolly Alderton, Sally Rooney, o livro da Rita ou de algum amigo), estou a guardar as minhas compras para momentos específicos: a Feira do Livro do Porto ou o meu aniversário. Antes parecia que me estava a castigar, mas, na realidade, não me sinto sem nada para ler e assim mantenho a tradição de sempre — quando se compra livros é especial. Também não tenho tido folga financeira para comprar, admito.
  • Só pago Kobo Plus quando quero ler vários livros de lá no momento. É a minha regra Netflix, na verdade: só pago um mês na Netflix se estiver com vontade de ver várias coisas lá nesse mês. No Kobo Plus faço o mesmo: se quero ler algo que está lá então tento procurar mais livros para ler nesse mês, para rentabilizar a subscrição.
  • As minhas exceções: clubes de leitura. Só participo no Clube do Livra-te e no Alma Lusitana, mas decido mensalmente a minha participação. Se são livros que estavam na minha lista de leitura então acabo por participar, porque também é um incentivo para ler e uma forma de ter uma experiência de leitura diferente. Se não são livros que estavam na minha lista tento ver se me interessam ou não e, caso me interessem, arranjo forma de participar no mês respetivo.

Não acho que seja melhor ou pior leitora por não querer estar sempre a comprar livros. You do you e eu estou só a tratar de fazer a minha cena, ler os meus livrinhos e não sentir que compro algo só porque sim. Tenho 260 livros na lista para ler do Goodreads. Desde 260 tenho 107, entre Kindle, Kobo e livros físicos. Duvido de que esta lista algum dia fique a zero, mas tenho a certeza de que tenho escolhido os livros que compro muito melhor e que estou a ler pela bagagem literária e não pelas prateleiras cheias. E eu gosto mais de fazer assim.

É certo e sabido que o nosso tempo é limitado e, por isso, nunca vamos conseguir ler tudo. Mas, para mim, também é certo que não é preciso querer ler tudo, querer ter tudo. E, definitivamente, o orçamento também não chega. Para mim, ser mais consciente a comprar livros é ser mais sustentável a comprar, é refletir antes de comprar só porque a promoção é boa e é perceber que sim, há livros que compramos que não é para uma leitura imediata, mas não faz sentido comprar todos só pelo conforto de saber que os temos. Se calhar daqui a um ano penso de outra forma ou daqui a cinco já tenho 200 por ler outra vez, mas, para já, para a pessoa que sou agora e para a pessoa que quero ser, tenho muitos livrinhos para ler.

2 Replies to “ser mais consciente a comprar livros”

  1. É entusiasmante sabermos que nas nossas estantes existem tantas histórias para descobrir, mas, depois, se lhes estamos sempre a acrescentar novas, pode ser complicado: porque não conseguimos lê-las a todas. E comprar só para dizer que temos é algo que também não entusiasma.
    Há livros, como tu sabes, que compro com o intuito de ler numa altura específica – sobretudo, para o Alma Lusitana -, mas tenho procurado ser muito mais consciente, para priorizar aqueles que já habitam cá há mais tempo
    Vamos crescendo e ajustando essas questões e isso é ótimo

  2. Well, como tinha partilhado contigo no instagram, sou demasiado pobre para ir na onda consumista de livros ahahah Nunca cheguei a contar quantos livros tenho, mas tenho uma boa quantidade, diria… Na hora de comprar, ou compro em sites de segunda mão (o awesome books) quando o livro é em inglês, ou espero pela Feira do Livro para comprar na Hora H. Muitas vezes leio livros emprestados dos meus amigos, e também gosto de ir buscar à biblioteca para não me comprometer com a compra. O que me aconteceu nestes últimos tempos foi ir na onda e comprar certos livros badalados nas redes sociais e depois nem gostar do livro em si, e agora estar a procrastinar pô-los à venda. No entanto, e para te deixar uma nota positiva, acho que uma vez li algures que uma boa biblioteca pessoal tem tantos livros lidos como por ler, portanto there you go 😛

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