desengatados: chegámos ao fim da canção

Peferes ouvir? Esta rubrica tem uma versão em áudio também!

Estás a ver aquelas pessoas que fazem anos e gostam de refletir sobre o ano que passou e pensar naquilo que mudou, no que fizeram, no que aprenderam? Aquelas pessoas que gostam de definir objetivos anuais e que não resistem a uma boa retrospetiva? Eu sou esse tipo de pessoa.

Por ser esse tipo de pessoa, assim que comecei a imaginar o Desengatados soube que o último episódio seria um episódio deste género — não há nada mais eu do que fazer uma retrospetiva com uma lista de coisas que aprendi. Então vamos lá ao último episódio com as coisas que aprendi (ou ainda estou a aprender) sobre mim e sobre os outros.

Às vezes queremos tanto que respeitem aquilo que queremos que nos esquecemos de respeitar aquilo que os outros querem.

Esta lista não tem uma ordem, mas esta constatação, apesar de ser a primeira da lista, foi uma das coisas que percebi mais recentemente. Normalmente estabeleces com alguém aquilo que queres e aquilo de que precisas na vida e esperas que o façam contigo também. No entanto, obviamente, as vontades de um não são mais importantes do que as vontades de outro. Só que… às vezes esquecemo-nos disso. Queremos tanto que respeitem aquilo que nós queremos que nos esquecemos de que não estamos a fazer o mesmo pela outra pessoa. E o respeito não é unilateral. É preciso que ambos respeitem o que um e o outro querem — e que tenham a compreensão de tentar perceber e resolver possíveis contradições que venham daí.

A forma como sais de uma situação diz muito sobre ti — para o bom e para o mau.

Quando escolhi terminar a minha situationship eu queria ser o mais adulta possível sem me diminuir. Queria dizer o que sentia, mas sem fazer a outra parte sentir-se responsável. Queria seguir em frente, mas com abertura para manter algo em que parecíamos bons e em que eu sentia que podia fazer a diferença para ele: a amizade. Eu tentei fazer isto e parecia-me que, do outro lado, a vontade de ser adulto era igual. Mas não era. Um adulto teria admitido a percentagem de culpa que teve e tentaria, no mínimo, fingir não haver ressentimentos. Um adulto não faria slut shaming dois meses depois nem te culparia por teres sentimentos. E se sais de uma situação assim mostras tão bem a pessoa que és…

Aquilo que podia ter sido é um fantasma chato.

Aquilo que podia ter sido algo mais e… aquele match que podia ter sido um encontro e não foi e agora o gajo mudou-se para Lisboa e é só injusto (e estupidez tua que não aproveitaste).

Ainda não sei onde está o meio-termo. Acho sempre que ou fui a mais ou fui a menos.

Talvez um dia consiga resolver isto, depois de muita terapia, mas quando algo corre mal eu ainda acho primeiro que a culpa foi minha e só depois — muito depois — é que tento ver o desenho completo. E quando corre mal e acho que a culpa foi minha acabo sempre por cair naquele engodo do: será que fui a mais ou fui a menos?

Afinal tenho um bocadinho de people pleaser em mim.

Eu nunca me considerei people pleaser. Digo nãos com muita facilidade, não tenho paciência para tentar agradar aos outros a todo o custo… mas algo que percebi à medida que me relacionava com outros foi que sim… eu sou um bocadinho people pleaser — em casos específicos. Nestes casos eu sou a Taylor na You’re Losing Me: mostro os meus melhores eu e quero que me vejam pelo que sou, mas quem é o eu que lhes estou a mostrar?

No início do Desengatados falava sobre termos personas e as usarmos enquanto conhecemos outras pessoas e eu sinto que quanto mais nos interessa a outra pessoa mas afinamos a persona que mostramos e torna-se desafiante. É algo em que estou a trabalhar, com tempo. Começou por me despedir para sair de uma situação laboral em que sentia que se estavam a aproveitar da precariedade do meu contrato e tem continuado comigo a dizer nãos sem me dar espaço para me preocupar se me vão odiar por não querer sair com eles outra vez. No fundo, as dating apps mudam tudo na nossa vida.

Todos estamos um bocadinho estragados.

Se calhar isto já vem numa quase análise psicológica aos envolvidos e, possivelmente, não o consegues ver pelas histórias que contei ao longo destas semanas, mas enquanto escrevo este episódio tenho a certeza de que não sou a pessoa mais estragada desta série. Todos estamos um bocadinho estragados. Uns mais do que outros, é certo, mas todos temos algo em nós que não está bem. A diferença está na forma como lidamos com isso. Ou não lidamos.

Confia nos teus instintos.

Não quero aqui entrar numa cena espiritual, mas às vezes os nossos instintos tentam avisar-nos de que algo não está bem, de que estamos a entrar numa armadilha e nós ignoramos. Não devíamos. Se o instinto diz para fugir então devíamos tentar, pelo menos, dar-lhe o benefício da dúvida.

Não entres em jogos com regras pouco claras. Ou com batoteiros.

Sabes como, em inglês, dizem muitas vezes once a cheater, always a cheater? Alguém que gosta de jogar sujo vai sempre jogar sujo. Não importa se achas que és especial. Ele vai jogar sujo e tu é que vais ter de limpar as nódoas.

É preciso ter mente aberta para pelo menos ouvir o que os outros querem dizer-nos.

Por mais que digamos que somos pessoas de mente aberta e sem preconceitos vai sempre haver algum momento que nos prova de que não é bem assim. Ir para uma dating app pode ser esse momento de confronto com os nossos preconceitos. Aliás, ir para uma dating app pode ser o nosso preconceito. E lá podemos encontrar tantas outras ideias pré-concebidas com as quais temos de lidar. É preciso alguma abertura de pensamento para, no mínimo, percebermos aquelas histórias. Não somos, no entanto, obrigados a meter-nos no meio da história. Só temos de a ouvir. E acredita que, às vezes, isso já é difícil o suficiente.

Falhas de comunicação não são só uma cena dos livros da Sally Rooney.

Okay, eu sabia que não eram só uma cena dos livros da Sally Rooney, mas entre saber e viver vai uma distanciazinha. As pessoas têm muita dificuldade em dizer aquilo que realmente querem dizer e muitas vezes escolhem o caminho fácil para não terem de o fazer. Não é cena de ficção. É a realidade. Há tantas falhas de comunicação entre pessoas que, por vezes, eu me questiono onde é que andam as pessoas que sabem comunicar… se é que elas existem.

Se tens de explicar muito então mais vale parares de explicar.

Eu já sabia que gostava de falar sobre relações… não sabia é que não tenho paciência para explicar relações. Estar a contar algo e ter de parar várias vezes para explicar coisas como: é assim no Tinder; não, não vamos voltar a ver-nos; já deixámos de falar; voltámos a falar; não, isto não é uma relação séria; não, isto não é para ser namoro; sim, tenho a certeza… é cansativo e irritante porque parece vir sempre de um lugar de julgamento.

Se não tiveres com quem falar sobre estas coisas… cria uma série na internet e fala com uma audiência semi-desconhecida.

Não, nem sempre vais ter alguém com falar destas histórias ou com quem as analisar. Por vezes terás de o fazer em terapia. Noutras vezes vais perceber que os teus amigos não chegam para acompanhar. Não faz mal. Cria uma série na internet e conta as histórias a um grupo de pessoas que podes ou não conhecer. É na boa. Vai ser divertido.

Guarda algo das histórias.

Quando criares essa série na internet e contares as tuas histórias não te esqueças de uma regra básica: guarda as melhores partes das histórias. Guarda algo das histórias. Não contes algo que ainda está a acontecer, não contes os melhores pormenores. Guarda algo das histórias só para ti. Vive as coisas e depois conta as histórias. Não vivas para as histórias. No final talvez guardes o melhor beijo, a melhor mensagem, o melhor orgasmo.

No meu caso, vou guardar também todo o apoio que recebi ao longo destas semanas. Foi tão bom receber mensagens semanais com pensamentos sobre os episódios e partilhas de histórias. Para mim, foi um desafio escrever treze episódios sobre isto, principalmente porque muitos deles ainda mexiam na ferida. Mas foi também muito fácil escrever sobre isto, principalmente porque parecia que estas histórias estavam a precisar de sair para o mundo. Não é sempre fácil escrever algo que vivemos, muito menos quando são histórias de desencontros e de desengates, mas quando é fácil fazê-lo é porque se calhar tens mesmo de as escrever.

Obrigada por teres acompanhado. Obrigada pelas mensagens, pelo apoio e até por torceres por personagens. O Desengatados chegou ao fim. Foi um gosto e um privilégio contar-te estas histórias e apresentar-te estes desengatados. Agora vou ali escrever outro tipo de histórias.

One Reply to “desengatados: chegámos ao fim da canção”

  1. Foi uma belíssima viagem. Fico feliz por teres arriscado e por nos teres trazido uma versão mais pessoal deste tema, acredito que é muito mais fácil de percebermos a dinâmica com as tuas partilhas, porque não te limitaste a racionalizar tudo. Acho que continuo a não ter feitio para dating apps, mas, se me aventurasse, sei que o faria mais tranquila por te ter acompanhado.
    Cá estarei para ler as outras histórias que tens para nos contar 💙

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