![ecologia [joana bértholo]](https://asofiaworld.com/wp-content/uploads/2023/07/ecologia-joana-bertholo-asofiaworld-daylight-scaled.jpg)
- Quando: 1 a 7 de julho de 2023
Acho que fiquei a conhecer a Joana Bértholo há dois ou três anos, através de uma entrevista focada no Ecologia. Tinha curiosidade em conhecer o trabalho dela, mas não sabia quando o iria fazer porque me parecia ser o tipo de livro em que precisamos de estar com disposição para uma narrativa com várias camadas. Acabou por calhar que a Joana fosse a autora de julho do Alma Lusitana e aproveitei para reativar a assinatura do Kobo Plus para poder finalmente lê-la. Vou já admitir: não acho que Ecologia vá agradar a toda a gente. Porém, tenho a certeza de que quem se aventurar neste livro pode tirar algumas coisas interessantes, tal como acontece sempre que se lê uma distopia.
E se as palavras tivessem um preço?
Ecologia passa-se numa sociedade distópica em que, como tudo se compra e tudo se vende, as pessoas começam a pagar pelas palavras que usam. Só esta premissa já traz muitas questões e foi assim, sem saber mais do que isto, que eu avancei na leitura. É um livro grande e com um ritmo de leitura que, para mim, foi inconstante. Havia capítulos rápidos, havia outros em que a informação era tanta que eu demorava muito a ler.
O Ecologia é um livro que não é fácil. Normalmente as distopias são difíceis porque nos apresentam muitas vezes cenários que, sendo escritos como distantes, nos são demasiado próximos. Por exemplo, no The Handmaid’s Tale, da Margaret Atwood, nós temos um cenário que é absolutamente distante — não está a acontecer nenhuma guerra civil nos Estados Unidos neste momento —, mas nós sentimo-lo muito próximo porque vemos países a ter leis do género, vemos como muitas vezes, em vários pontos do globo (até em sociedade evoluídas), a mulher é muitas vezes vista apenas como uma forma de procriar, um ser que não merece os mesmos direitos. É um livro que dói e custa porque, não sendo a realidade, é algo que… olhamos para o mundo e pensamos que não está assim tão longe.
No Ecologia não é essa proximidade que nos custa. É a proximidade que vem por a linguagem ser algo que usamos todos os dias, muitas vezes mais coloquialmente. Sentimos que muitas vezes não damos valor às palavras e o Ecologia confronta-nos precisamente com o valor das palavras. Sendo numa sociedade em que começamos a pagar por cada palavra que dizemos e, a certo ponto, que escrevemos é uma distopia que nos faz pensar no valor das palavras, da linguagem, das formas de linguagem.
— Maaãe?
— Sim.
— Qual é a cor do orgasmo?
Pablo pousa o jornal.
— O quê, filha?
— Estava uma senhora no computador do pai, no outro dia, a dizer que ia tingir o orgasmo. É porque não gostava da cor?
Custa entrar porque há muitos conceitos de linguagem e tem uma forma de escrita um tanto intelectual, quase académica em certos pontos, muito pensada. Não é um livro fácil de analisar porque há coisas que acho que me passaram ao lado e sinto que mesmo que leia dez vezes não vou conseguir analisar tudo, vai sempre haver algo que me passa ao lado, vai sempre haver uma impressão nova, uma ideia nova.
No entanto é um livro tão denso e tão interessante que, assim que se entra, se torna num livro muito envolvente, que nos faz pensar muito na forma como a sociedade capitaliza tudo e nesta sociedade até as palavras são capitalizadas. E se as palavras custam dinheiro não são também os ricos os beneficiados, porque podem dizer mais coisas? Como é que se foge disto, deste sistema tão castrador, em que usas certo tipo de palavras e, de repente, ao final do mês vem uma conta gigante?
É um livro muito complexo e seria uma leitura incrível para quem estude Ciências da Linguagem ou outras vertentes ligadas à área porque dá que pensar em muita coisa e mostra o poder e influência da linguagem na sociedade e na forma como nos relacionamos e até a escolha das palavras e de como dizemos essas palavras. É um daqueles livros que, mesmo não compreendendo tudo e havendo coisas que certamente nos escapam, nos vai sempre conseguir fazer pensar. É a melhor parte das boas distopias: fazer pensar. É pensar na sociedade que estamos a construir e para onde ela nos poderá levar.
Hei-de reler este livro extraordinário!
Obrigada por teres escolhido lê-lo para o Alma 💙