Há uma forte possibilidade de Uma Aventura no Porto ter sido o livro que mais vezes li. Era o meu preferido da coleção e alimentou, durante anos, o meu imaginário portuense. Miragaia, os Clérigos ou a Praia dos Ingleses foram-me familiares ainda antes de os conhecer realmente. Quando penso na teoria das invisible strings pergunto-me se este foi o primeiro fio a ligar-me ao Porto, embora acredite que a ligação é ainda mais ancestral porque, até onde sei, sou descendente de pessoas que por aqui terão andado. No entanto gosto desta ligação ao volume 13 (!) da coleção da Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada.
Havia neste livro um lugar que me faltava conhecer, apesar de, durante um ano, ter passado à porta várias vezes por semana: o Museu Nacional Soares dos Reis. É neste museu que, no livro, trabalha a tia do Pedro. Num dos capítulos, o grupo vai visitá-la e há um miúdo que chama as gémeas para lhes mostrar uma estátua — O Desterrado. Como o miúdo é pequeno, só consegue mostrar-lhes o pé, o que torna a situação mais caricata. Como boa leitora da coleção, tive esta imagem na mente durante todos estes anos. Dizia sempre que um dia havia de ir ao Soares dos Reis ver O Desterrado (como se não houvesse mais nada para ver lá).
Como tenho claras falhas a nível de conhecimento artístico — uma característica excelente vinda de alguém mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes — e que classifica exposições como giras, muito giras ou um bocado secantes,não estava no topo das minhas prioridades e fui adiando a visita. Até que chegamos à primavera e, no meio do manuscrito em que estava a trabalhar, começo a sentir necessidade de pôr a personagem num cenário desconhecido no meio da sua cidade. Listei lugares que poderiam ser desconhecidos a um portuense, mas nenhum me parecia totalmente credível — até ter pensado nos lugares onde mais vezes me lembro de ver pessoas locais dizer que nunca foram: os museus. Foi assim que me lembrei de resgatar o Soares dos Reis da minha lista de um dia hei de lá ir. Chamei a Andreia, para não passar vergonhas sozinha, e lá fomos ao edifício cor-de-rosa no qual nunca tínhamos entrado.
Este edifício cor-de-rosa chama-se, na verdade, Palácio das Carrancas e foi construído em 1795. Quase duzentos anos depois, em 1932, foi doado, pelo testamento de D. Manuel II, à Santa Casa da Misericórdia do Porto e cinco anos depois passou a ser incorporado no Património do Estado, de forma a poder acolher o Museu Nacional Soares dos Reis.
Quando entrámos tínhamos logo à direita uma exposição temporária, chamada «A faiança azul de safra da Fábrica de Miragaia», com várias peças de cerâmica. Depois desta exposição, subimos ao primeiro andar para a exposição permanente, que vai deste pinturas a esculturas e outras peças como jóias, gravuras, mobílias e até peças de roupa.
Obviamente, o meu conhecimento artístico é limitado e, como disse, reduz-se muito a admirar as peças pela beleza (ou falta dela). No entanto acho que foi uma visita interessante em dois pontos particulares: em primeiro lugar, no momento em que estou a ver umas pinturas aleatórias e olho para o nome do artista e vejo um Caetano Moreira da Costa Lima (falecido em 1898). Tal como contei, os meus ascendentes têm ligações familiares ao Porto e, mesmo sabendo isso, fico sempre um bocadinho feliz quando vejo alguma referência a Costa Lima aqui. Em segundo lugar, a visita ao Jardim das Camélias, que é realmente muito bonito e que mostra o quanto as primeiras obras de arte foram sempre as flores.
Ah, quanto ao Desterrado, que é a escultura desta fotografia acima. É uma estátua grande de um homem nu. É isto que concluo, aos 29 anos, depois de mais de duas décadas com a imagem de uma escultura literária na mente. Sim, é uma estátua com um significado bonito, saudosista, que representa o desejo de voltar a casa, à Pátria, mas no fundo é um homem nu. E é assim que o vou recordar agora. 😁
Localização: Rua D. Manuel II, 44
Coordenadas GPS: 41.1477045923542, -8.621649032331057
Horário: de 3.ª a domingo: 10h – 18h
Preço: 8€/pessoa (aproveitem os domingos de entrada gratuita!)
Acessibilidade: há elevadores no edifício, assim como rampas.
Andreia apresenta-se ao serviço para fingir conhecimento em arte! Cá estarei para que nunca passes vergonhas sozinha, sobretudo, se estivermos a falar de ir ver estátuas que não passam de homens nus ahahahah