Há uma pressão em conseguir que o primeiro parágrafo de um livro seja marcante. A culpa está nos livros que conseguiram que aquelas primeiras palavras ficassem gravadas na nossa memória. Mas… será que é fácil acertar à primeira neste primeiro parágrafo marcante? O que fazer quando o início do livro está fraco? O que deve dizer o primeiro parágrafo?
A importância do primeiro parágrafo
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete.
(Os Maias, de Eça de Queiroz)
É inegável que o primeiro parágrafo costuma ter um efeito de interesse e curiosidade nos leitores. São as primeiras palavras, é o primeiro contacto com a história. É ali que temos oportunidade de prender os leitores, mas não é a única oportunidade, caso contrário só líamos livros com inícios absolutamente inesquecíveis. Ainda assim, claro que qualquer escritor quer ter um primeiro parágrafo forte e atractivo.
Algumas características de um bom primeiro parágrafo
Como em tudo na escrita, não há uma fórmula que te diga como fazer para ter um bom primeiro parágrafo, mas há algumas características que normalmente encontras nestes parágrafos.
- Estabelece o tom do livro;
- Determina o ponto de vista;
- Dá a conhecer algo importante para a história: protagonista, antagonista ou local da acção.
Normalmente, encontras sempre estas três características no primeiro parágrafo. Aqui, levanta-se ainda outra questão: em que ponto da história a começo a contar?
Como viste no primeiro exemplo, quando começas a ler Os Maias estás no ponto em que a família Maia vai viver para o Ramalhete. Naquele momento sabes que há uma família Maia e sabes que vão viver para o Ramalhete. Não sabes mais, mas assumes que foram viver para ali vindos de outro lugar e assumes que há mais do que um membro da família. A história começa ali porque o Ramalhete tem também um papel na história e, por ser o Eça, sabes que podes esperar uma descrição do Ramalhete.
Em que ponto da história a começo a contar?
Escolhe um início natural e importante para o resto da história. Qual é o inciting incident, o ponto que marca o início do que vai acontecer ali? Voltando ao Ramalhete e a Os Maias. A mudança da família para o Ramalhete é o ponto de viragem da história das personagens. Se não se tivessem mudado para o Ramalhete e, em vez disso, tivessem optado por se mudar para uma casa em Celorico da Beira toda a história podia ter sido diferente. Certamente, Carlos da Maia teria dificuldade em conhecer Maria Eduarda.
Algo que te pode ajudar é começares a escrever a história num ponto prévio e depois é só cortares as partes que vêm antes do ponto de viragem. Por exemplo: na tua história a personagem principal vai ser abandonada no dia do casamento. Escreve a vida toda da personagem, de forma resumida, desde que nasceu até ao momento em que está prestes a perceber que foi abandonada no altar. Já conheces a personagem, já tens mais facilidade em perceber como é que aquele momento vai ser o momento-chave na vida dela.
O que escrever no primeiro parágrafo?
No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5.30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo.
(Crónica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez)
Apesar de não haver fórmulas para determinar o que vai correr bem num primeiro parágrafo, há alguns tipos de primeiros parágrafos que costumam ser usados mais regularmente. Assim, o que deves escrever no primeiro parágrafo? Vou deixar-te seis hipóteses, mas certamente encontrarás mais.
Apresenta a personagem principal e o seu objectivo principal
É uma das formas mais comuns de começar a história. Seja de que forma for, é um início que apresenta a personagem principal ou começa a dar-te pistas sobre quem é a personagem principal e qual o seu objectivo. Um exemplo disso é o início que vês aqui em cima, em Crónica de uma morte anunciada. Sabes logo que a personagem principal se chama Santiago Nasar e que vai morrer.
Descreve o local onde a história começa
O local da tua história vai influenciá-la? Que tal começares a história por aí? No livro do Eça de Queiroz tens um exemplo deste tipo de início e em baixo tens outro exemplo, com o início de O meu Irmão, do Afonso Reis Cabral. Pode estar aqui a forma ideal para começares a tua história. Esta é, também, a minha escolha para começar o que estou a escrever de momento.
Começa com um incidente
Lembras-te do exemplo que te dei ali em cima, em que a personagem principal vai ser abandonada no dia do casamento? É um exemplo deste tipo de início: começa exactamente no ponto em que ela percebe que foi abandonada. Dá um início dinâmico e cheio de acção.
Usa o diálogo
Esta é a forma de que menos gosto. Os diálogos precisam de ser impactantes o suficiente para conseguirem começar uma história com qualidade e, por isso, não é tão comum encontrares livros que comecem assim. No entanto, não te deixes demover: se tens um diálogo perfeito para começar podes e deves fazê-lo.
Começa a meio da acção (in medias res)
In medias res lembra-te Os Lusíadas? É um bom exemplo, uma vez que a acção ali começa quando já estão a caminho da Índia. Podes fazer o mesmo. Imagina que queres escrever um thriller. Que tal começares com o momento em que o assassino já está em fuga?
Ignora os conselhos e começa de uma forma completamente inesperada
Sim, leste bem: ignora as formas anteriores e escolhe uma completamente diferente e inesperada. Como já disse, não há uma fórmula que te garanta êxito e, por vezes, o mais inesperado pode ser exactamente aquilo de que precisas!
Gostaste destas sugestões?
Primeira frase a ler, última frase a escrever?
Isto vai passar-se no Tojal. Ora o Tojal é perto de Arouca e longe de tudo o resto.
(O meu Irmão, de Afonso Reis Cabral)
Apesar de serem as primeiras palavras que lês, muitas vezes não são as primeiras palavras escritas. Nem sempre se acerta à primeira no primeiro parágrafo certo e, por isso, acontece deixar o primeiro parágrafo para o fim, depois de a história estar toda terminada.
Ainda havemos de falar sobre a primeira versão da história e sobre revisão, mas não podia deixar de falar sobre o assunto aqui também. O facto de quereres um primeiro parágrafo forte é legítimo, mas não te foques demasiado nele quando estás a começar a tua história, ou passarás mais tempo a testar as primeiras frases do que a avançar na tua história. Começa a história de forma simples e vai trabalhando o início enquanto trabalhas no resto da história e, sobretudo, na revisão. Vai ser muito mais fácil nessa altura.
Alguns recursos interessantes sobre este tema
8 Ways to Write a 5-Star Chapter One, no Writer’s Digest;
Your Ultimate First Chapter Checklist, Pt. 2: Writing the Opening Scene, no Helping Writers Become Authors;
How to Write the First Chapter of Your Novel, no blog do site Masterclass.
Todos os artigos foram consultados a 25 e a 26 de Setembro de 2020
Resumindo: há várias formas de começares a tua história e deves dedicar algum tempo a esse início, para conseguires prender o leitor. No entanto, não deves focar-te demasiado no início. Podes construí-lo ao longo da escrita do resto da história e, na revisão, terás oportunidade de corrigir o que não estiver bem.
Mesmo não estando a escrever uma história, sinto sempre o peso do primeiro parágrafo quando preparo as publicações para o blogue, porque é o primeiro impacto e queremos que marque.
Acho que estas ideias foram muito claras e darão uma excelente ajuda no processo, até para irmos desconstruindo essa carga associada ao primeiro parágrafo
O primeiro paragrafo é das coisas mais importantes, é o lead dos livros. Sem dúvida que escreveste um bom artigo 😉