desengatados: quem tem medo do lobo mau? e de uma relação?

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Há uma ideia pré-concebida de que quem vai para uma dating app está unicamente à procura de sexo. Obviamente, encontras muitas pessoas nas dating apps que estão unicamente à procura de sexo. Tal como disse no primeiro episódio e digo muitas outras vezes: há de tudo como na farmácia. Por isso, de forma mais ou menos assumida, podes, sim, também encontrar pessoas nas dating apps que estejam à procura de uma relação.

Não me lembro se aconteceu, mas penso que nenhum dos homens com quem falei em contexto de dating app disse explicitamente estar à procura de uma relação. Uns eram honestos à partida e diziam logo que só queriam algo casual; outros davam a resposta dúbia: não sei, é ver no que dá. O que pode ser uma resposta honesta, mas também pode ser código para quero sexo. É o que é.

No entanto isto não pode ser a tua primeira preocupação. A tua primeira preocupação não pode nem deve ser em relação àquilo que os outros procuram. Deve, sim, ser em relação a ti. O que é que tu queres encontrar? Queres uma relação, queres algo casual, não sabes bem? É tudo perfeitamente aceitável, okay? Mas é essa a única coisa com que tens de te preocupar: pensar naquilo que queres.

Recentemente (não tenho a certeza de quando foi), o Tinder adicionou algumas questões novas a que podes responder quando crias o teu perfil. Além de listares os teus interesses, podes, agora, responder a questões como: queres ter filhos? Qual é o teu tipo de personalidade? Qual é o teu estilo de comunicação? Como é que gostas de receber amor (sim, sim, as famosas love languages)? Mas, mais do que isso, podes responder à secção Estou à procura de…, uma secção que determina explicitamente os teus objetivos de relacionamento com outras pessoas.

Esta nova secção dá-te seis hipóteses:

  • Relação duradoura;
  • Relação, mas casual é ok;
  • Casual, mas relações é ok;
  • Uma cena casual;
  • Fazer amigos;
  • Ainda não sei.

Ter uma resposta honesta a esta parte pode ser fundamental para evitar matches que não vão ao encontro daquilo que queres. Claro que a palavra honesta é importante aqui. Quando comecei a aventurar-me no Tinder a minha resposta honesta teria sido “Ainda não sei”. Eu não sabia bem por que raio estava ali, se devia estar ali. Não ter um objetivo definido à partida tem tanto de bom como de mau, pelo menos na minha visão.

Por um lado, tens mente aberta para explorar e conversar com outras pessoas e perceber, de acordo com cada uma, quais são as vontades delas e se te sentes confortável com isso ou se é algo que possas querer também. Por outro lado, às vezes é complicado sentir que não se sabe o que procurar ao certo. Se procuras algo específico e não encontras pode haver alguma desilusão, mas se não sabes o que procuras e não encontras pode ficar só a sensação de que falta algo.

O que devo procurar no Tinder?

Por vezes fica aquela ideia de que o Tinder não é o lugar para procurar uma relação séria. No entanto, eu acho sinceramente que é um lugar tão válido quanto qualquer outro para procurar uma relação séria. Não há problema nenhum com isso. Eu não encontrei uma relação séria para mim naqueles meses, no entanto uma das coisas mais fixes que me aconteceu quando comecei a falar sobre Tinder e relações no Instagram foi receber mensagens a partilhar histórias — boas e más. As melhores foram aquelas em que as pessoas me diziam que a relação que tinham atualmente tinha começado com um match do Tinder. Ou que a relação de alguém que conheciam tinha começado assim.

Eu adoro estas histórias porque, obviamente, sou uma pessoa romântica e não resisto a uma boa história e também porque provam que realmente há pessoas ali à procura das mais diversas coisas, incluindo uma relação. Aliás, de qualquer forma, tudo o que vais encontrar ali são relações: sejam que tipo de relações forem. Okay, vamos entrar nas declarações polémicas. Estamos prontos? Sim? Então aqui vai disto…

Praticamente tudo é uma relação. Amizade? Relação. Namoro? Relação? Casual? Relação. Parem de ter medo da palavra relação.

Vou passar a explicar-me, antes de me cancelarem.

Em primeiro lugar, comecemos pelo dicionário. Se procurares a palavra relação no Priberam encontras, entre as várias definições, ligação afetiva ou sexual entre duas pessoas.

Em segundo lugar, se uma relação é uma ligação afetiva e uma amizade é uma ligação afetiva então uma amizade é uma relação.

Estamos todos no mesmo barco até agora? Sim?

Se tudo é uma relação então…

Um dos conceitos que descobri no ano passado e que mais me fascinou foi o conceito de relação por design. Fascinou-me porque adorei o nome e porque faz todo o sentido. Todas as relações deviam ser por design, no entanto este conceito está maioritariamente ligado às relações não-monogâmicas.

Numa relação por design aquilo que acontece é que os elementos da relação conversam sobre aquilo que pretendem da relação, estabelecem acordos e definem aquilo que querem e não querem. É um conceito mais não-monogâmico porque normalmente são as relações em que mais se estabelecem acordos e regras sobre o funcionamento da relação. Numa relação monogâmica é mais comum que se sigam simplesmente as regras da sociedade. E também há uma certa falta de comunicação.

Possivelmente, se fores ter uma relação casual com alguém então vais ter idealmente uma relação por design. Vais estabelecer se podem sair com outras pessoas, falar com outras pessoas, se vão apresentar a amigos, se é okay dormir na casa um do outro, etc. O ideal era que todas as relações fossem por design. Conversas honestas sobre expectativas, limites, etc. Mas, bem, nem todas são honestas.

Foi também graças ao conceito de relação por design que eu descobri que estava a lidar com alguém com medo da palavra relação. Parece uma palavra inofensiva, não é? Ninguém diria que um homem de dois metros ia ter medo de uma palavra tão pequenina. Mas vamos lá.

Foi quando estava no primeiro mês da minha cena com o Carlitos que descobri este conceito. Não sabia ao certo o que chamar àquela cena — situationship surgiu depois — e pareceu-me que relação por design se podia aplicar porque, guess what, estávamos realmente a relacionar-nos a vários níveis e nesses vários níveis tínhamos estabelecido várias regras e limites. Beeeeeeem, mais valia ter dito que votava no Chega ou algo assim.

Eu compreendo que nem toda a gente queira chamar relação a tudo, até para facilitar e arrumar as coisas em caixinhas mais detalhadas, mas não compreendo que haja medo de usar essa palavra. Portanto, podes andar meses a sair com alguém, a conversar, a ter sexo e dizer que não é uma relação séria, mas não podes dizer que é uma relação casual? Porquê?

Acredito que seja porque há um certo peso na palavra relação. Assume-se que uma relação é sempre algo sério, um namoro, e, por isso, exige outras regras. Mas não tem de ser assim. Pode ser uma relação casual, desde que haja esse acordo de vontades entre as duas partes. E, lá está, é uma relação na mesma.

A rainha da casualidade

Estou aqui a debater-me sobre se hei-de considerar uma situationship uma relação casual ou não. O Dr. Google não está a ajudar-me a decidir, por isso vamos chamar-lhe relação casual e lembrar que eu não sou profissional da área portanto é lidar com a possibilidade de uma situationship não ser mesmo um tipo de relação casual.

Anyway, tive uma situationshipzinha que durou quatro meses – pausa de três – mais outro mês e meio. E tive uma relação casual que durou quatro ou cinco meses. Aquilo que talvez torne as relações casuais algo interessante para alguém é o facto de ser algo que normalmente exige menos envolvimento emocional e que pode não ter a responsabilidade de envolvimento noutras áreas da vida um do outro.

Se é a melhor cena do mundo? Depende. Depende dos dias, depende da fase em que estamos, depende do que estamos dispostos a dar e a receber.

Eu tenho algumas dificuldades na casualidade porque, como sou uma pessoa naturalmente curiosa e que gosta de conversar e conhecer as pessoas com quem se relaciona de forma mais detalhada, acabo por sentir que essa necessidade de conexão e de ligação não tem lugar de uma forma totalmente satisfatória para mim.

No entanto, em certos momentos, sinto que funcionou melhor assim… até deixar de funcionar. Aquilo que acontece, por vezes, quando não sabemos ao certo o que estamos a procurar quando chegamos a uma dating app é que à medida que falamos com pessoas, conhecemos pessoas, encontramo-nos com pessoas e talvez criemos ligações com algumas pessoas, mesmo que sejam ligações casuais, vamos também percebendo aquilo que queremos ou aquilo que não queremos ou ambos. E às vezes perceber o que não queremos torna-se demasiado gritante e não dá para ignorar.

E aqui é importante lembrar que é perfeitamente legítimo procurar relações sérias numa dating app tal como é perfeitamente legítimo procurar relações casuais ou coisas de uma vez numa dating app. É perfeitamente legítimo mudar de ideias, dizer não, decidir que afinal aquilo que encontrámos não nos assenta assim tão bem. Sabes o que não é legítimo? Enganar o outro, fazê-lo sentir mal ou desconfortável ou insistir quando se ouve um não. E definitivamente não é legítimo julgar alguém por usar uma dating app. Falamos mais sobre isto na próxima semana?

Criei uma playlist com a banda sonora desta série. Novas músicas adicionadas à medida que saem novos episódios.

One Reply to “desengatados: quem tem medo do lobo mau? e de uma relação?”

  1. Sinto que, cada vez mais, há pessoas com medo do lobo mau. Parece que alteram completamente o seu comportamento só por ouvirem/lerem a palavra relação. Não sei como é que vão lidar com a informação de estarmos todos, inevitavelmente, a viver em constantes relações 😮
    Estarmos conscientes daquilo que procuramos é ótimo a vários níveis, até porque não nos enganamos e não fazemos os outros perder tempo

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