por que raio nos custa tanto parar?

A psicóloga estava a perguntar-me o que planeava fazer depois de terminar tudo na tese. “Talvez descansar?”, perguntou ela. Eu soltei uma gargalhada. Ela já me conhece há tempo suficiente.

Nas férias da escola, eu nunca me queixava de estar aborrecida. As minhas amigas chegavam sempre a um ponto em que diziam que já estavam aborrecidas, que estavam a apanhar uma seca. Eu estava sempre a arranjar coisas para me entreter. Havia sempre livros para reler, histórias para escrever.

Os criadores de conteúdo debatem-se constantemente — muitas vezes interiormente — sobre a necessidade de alimentar as suas plataformas e a necessidade de descansar. Se paras de alimentar uma rede social o algoritmo começa a chatear-te. Mas se só alimentas por alimentar o algoritmo também te vai chatear.

Eis-nos chegados a agosto.

Não me lembro da última vez em que tive férias (de escola ou trabalho) e não as passei a trabalhar noutras coisas. Desde que, em setembro de 2020, comecei a trabalhar na clínica veterinária até hoje o conceito de férias foi sempre ocupado. Fiz 11 meses seguidos em veterinária e saí exatamente duas semanas antes de me mudar para o Porto e começar o mestrado. Eram duas semanas necessárias para recuperar energia, mas também foram duas semanas de andar de um lado para o outro, de arrumar coisas, de preparar mudanças. Mal senti que parei. Tive duas semanas de férias entre o primeiro e o segundo semestre e usei-as para descansar, mas também para trabalhar no blog, a quem achei que devia atenção.

Quando tive férias entre o fim do primeiro ano de mestrado e o início do trabalho acabei por novamente me dedicar à escrita, no blog e fora dele. Tinha todo o tempo para escrever, por isso aproveitei-o. E depois veio o trabalho. E uns tempos depois veio o burnout.

Tive uma semana de férias do trabalho no final de janeiro. Estava esgotada. Na sexta-feira antes das férias conduzi 500 km até ao Algarve sem fazer conta. Catorze horas depois conduzi de volta à Maia. Foi em trabalho e não valeu nada. Naquele sábado estava ainda mais exausta. Cheguei no domingo a casa da minha mãe e só queria dormir. Uma semana não recupera burnouts. Uma semana não recupera nada quando estamos exaustos, temos de trabalhar numa tese de mestrado e ainda queremos aproveitar para tentar descansar. Foi engraçado ouvir alguém dizer-me dois meses depois, em contexto laboral, “mas ainda agora tiveste férias”. Como se toda a minha vida fosse aquele trabalho. Ri-me um bocadinho.

E então cheguei àquele momento pelo qual me tinham perguntado: e quando entregares a tese?

Entreguei a tese a meio de julho e passei as duas semanas seguintes a trabalhar na apresentação, para poder ter feedback antes das férias letivas, uma vez que vou defender o meu trabalho no início de setembro. Estava farta da tese, cansada de meses sem parar, mas a precisar de trabalhar em algo extra. Tive de decidir o que queria mesmo fazer: continuar a trabalhar nessas coisas e arriscar não ter mais nenhum período de descanso este ano ou dar-me férias de tudo. Fui para a segunda opção. Precisava de ir para a segunda opção.

Parar. Ou quase.

Decidi que o início de agosto era para parar. Ia ter a Lady comigo na Maia, podia dar-me ao luxo de agendar conteúdo e parar. Agendei newsletters, certifiquei-me de que o Desengatados estava preparado e entrei em duas semanas em que não tinha de escrever, de criar, de fazer o que quer que fosse além de passear a Lady, rever Modern Family e ler romances.

Se só fiz isso? Claro que não. Quando nos damos liberdade de parar parece que há algo no nosso cérebro que ganha liberdade para se inspirar. Acabei por escrever sobre três livros que li nesses dias e sobre alguns que ficaram por falar na primeira metade do ano, tratei da mudança da newsletter para o Substack e ainda avancei no livro em que estou a trabalhar. Mas sem pressões. Não foi todos os dias a fazer alguma coisa e, no máximo, gastava duas horas do meu dia com estas coisas.

Mais difícil foi não criar para o Instagram e TikTok. Tinha vídeos gravados para publicar e entre fotografias e outros vídeos que surgiram entretanto, foi-me apetecendo estar por lá. Se calhar não tanto nas histórias, mas com tanta coisa que queria partilhar para quê deixar para depois?

É assim tão difícil desligar?

Não noto que, para mim, seja difícil desligar porque facilmente o faço regularmente. No entanto, sinto que se for para o fazer por um período de tempo mais longo me custa horrores por um motivo apenas: culpa.

Ter um trabalho e ter projetos próprios — blogs, podcasts, newsletter, etc. — leva a que muitas vezes os nossos projetos estejam fora da lista de prioridades. Quando temos férias do trabalho parece que ficamos com carta branca para investir mais nesses projetos e dar-lhes a prioridade que merecem. Se não o fazemos por vezes vem um certo sentimento de culpa.

Eu sempre vi as férias como altura para poder investir nestes projetos e, apesar de ver a escrita como o meu trabalho também, também como altura para poder avançar na escrita. Nos últimos anos, no entanto, por mais que me possa sentir culpada, tenho deixado de tornar as férias algo necessário para tudo o resto porque tudo o resto sofre se não tivermos também pausas para recarregar energias.

Só que, claro, às vezes vem a culpa. Principalmente na escrita. Férias são a altura certa para podermos dedicar dias inteiro à escrita, algo que não é possível noutros contextos. Fico sempre a sentir alguma culpa porque sei que agora podia dedicar-me 100% a escrever e não o estou a fazer e depois vêm as 40 horas semanais e o stress e só restam os fins-de-semana e a escrita é que sofre. Hei-de fazer as pazes com isso… talvez.

A parte boa de parar

A melhor parte de parar e de saber que não tinha de escrever no blog se não quisesse é que foi muito mais fácil escrever para o blog porque as palavras chegavam de forma muito mais leve. Escreve-se de forma diferente quando as palavras vêm por elas próprias e não porque nós decidimos que tinham de vir. Também acaba por ser refrescante poder ir e voltar depois de tantos meses cheios de trabalho. Volta-se com uma vontade reforçada.

Num mundo em que há mais artigos com dicas de produtividade do que de descanso e em que a superprodutividade é vista como necessária e a pausa é vista como enfraquecimento, talvez esteja na altura de reconhecermos, coletivamente, que nenhuma dica de produtividade é melhor do que saber descansar. Talvez esteja na altura de parar de romantizar produtividade, falta de descanso e burnout e, em vez disso, aprender a parar. Sabe pela vida.

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