Releiturofobia: sobre reler livros

Gostava de ter criado conta no Goodreads para aí em 2010 ou 2011. Não é que lesse coisas espectaculares na altura, mas gostava de saber o número exacto de vezes que li A Vida é Só Fumaça, do Luís Filipe Borges, desde a data em que o comprei. Tenho a certeza de que foram mais de cinco, não sei se chegam às dez. Queria saber o número certo, só para provar o meu ponto.

Crescer a reler livros

Cresci a reler livros mais do que a ler livros. Sei a data em que comprei este livro do Luís Filipe Borges porque foi a primeira compra que fiz na Wook. Naquele ano eu tinha poucos livros, não sei se chegavam a 15. Li o que me agradava na biblioteca da escola, mas acabei frustrada quando li tudo o que me interessava e não havia novidades.

Não era fácil comprar livros naquela altura porque em Trancoso só se vendiam num dos supermercados ou nos Correios. Comprar online não era tão simples como agora. E, claro, não havia dinheiro para isso. A minha mãe ganhava menos de 500€ por mês e eu sentia-me mal por lhe pedir um livro. Quando lhe pedi para comprar A Vida é Só Fumaça, ela disse a frase que estragou tudo: prefiro gastar dinheiro em livros do que noutras coisas que não valem tanto. Não comecei a gastar dinheiro com livros à toa, mas fez-me perceber que valia a pena esperar por poder comprar livros.

Foi assim que cresci a reler livros. Não podia comprar, portanto lia os mesmos livros vezes e vezes sem conta. Era o que tinha, era o que havia. A minha história com A Vida é Só Fumaça vai além disto, mas fica para outra altura. A questão aqui é a releitura.

As Vantagens de Ser Releitor

À medida que fui ganhando e comprando novos livros, a variedade literária aumentou, mas nunca deixei de reler. Todos os anos acabo por reler algum livro e acontece sempre algo curioso. Por um lado, já conheço a história. Por outro lado, as sensações de quem lê pela primeira vez não são totalmente arruinadas. Uma das melhores coisas é que conseguimos reparar em pormenores que antes nos escaparam, mas há algo ainda mais extraordinário: o significado do livro pode mudar porque nós também mudámos.

Eu gosto de reler por vários motivos. O maior é mesmo já conhecer a história e saber que aquele tipo de história é exactamente aquilo de que preciso em determinado momento. Por exemplo, se me apetecer ler algo leve e engraçado e não estiver com vontade de procurar um livro novo, sei quais são as apostas seguras.

Há ainda a questão da maturidade. Há livros que li quando era mais nova que certamente entenderia ou apreciaria de forma diferente agora. Talvez já não gostasse de alguns, talvez compreendesse melhor outros. Quando reli a saga Twilight identifiquei muitos problemas e não gostei como tinha gostado aos 15 anos, mas quando reli Crónica dos Bons Malandros ri tanto como na primeira vez e aproveitei ainda mais o livro.

Depois há o saudosismo. Matar saudades da história e das personagens deixa muitas vezes uma sensação de conforto, mas, além disso, acho que matamos também saudades de quem éramos quando lemos aquele livro anteriormente.

Releiturofobia: e os chatinhos anti-releituras?

Já assisti a tantas discussões sobre reler ou não reler livros que posso afirmar isto com certezas: há pessoas que sofrem de releiturofobia. Sim, isso mesmo. Releiturofobia. É gente que tem medo de reler livros. Porquê? Ainda estamos a estudar a questão, mas que as há…

Normalmente há duas justificações apresentadas por releiturofóbicos: em primeiro lugar, argumentam que se gostaram de um livro para quê reler se podem perceber que afinal não gostam assim tanto? Em segundo lugar, dizem que o tempo que se gasta a reler um livro dava para ler um livro novo. Consigo desconstruir ambas as opiniões.

Eu também tenho livros que tenho medo de reler porque gostei tanto que tenho medo de perceber que, afinal, não são assim tão bons. No entanto, é um risco que corremos. O gosto também vai evoluindo, portanto é normal não gostarmos aos 25 e aos 15. Eu, por exemplo, duvido de que conseguisse ler Nicholas Sparks agora. No entanto, isso significa apenas que o nosso gosto mudou, não significa que tenha sido uma perda de tempo reler.

Depois, o tempo. Ai, o tempo. Não podemos argumentar com releiturofóbicos que também revemos filmes porque eles vão dizer que é diferente gastar 2 horas ou gastar 8 horas. Também não vale a pena falar em rever séries, que eles começam a ficar febris. Então o que dizer? A resposta mais simples é esta: qualquer tempo passado a ler é tempo bem gasto. Podemos elaborar depois, mas só isto já deve acalmar alguns releiturofóbicos.

Eu também tenho um certo FOMO cultural e sei que nunca terei tempo de ler tudo o que quero, mas aceito isso e prefiro passar umas horas com um livro que já conheço a passar umas horas a mais nas redes sociais, a ver trash tv ou mesmo a pensar nos livros que tenho por ler.

Então e quem é que tem razão?

Todos e ninguém. Cada um gasta o seu tempo como quer, portanto se queremos reler isso é connosco e não importa o que os releiturofóbicos dizem. Mas isto também funciona ao contrário. Cada um tem a sua forma de se ligar aos livros e se uma pessoa só o quer ler uma vez e deixá-lo para sempre na estante então isso é lá com ela.

Eu sei que talvez esperasses algo mais conclusivo, mas a reflexão está precisamente em compreender ambas as posições e aceitar a nossa. Não percebeste? Relê a publicação!

Esta semana, para celebrar o Dia Mundial do Livro (dia 23 de Abril), todas as publicações do blog estão relacionadas com livros. Esta semana literária inclui 7 publicações, de 19 a 25 de Abril, todas cheias de sugestões literárias.

5 Replies to “Releiturofobia: sobre reler livros”

  1. As minhas releituras acabam por não ser tantas quanto gostaria que fossem. Mas adoro a oportunidade de revisitar histórias, contextos e personagens que já conheço. Não só pela familiaridade automática, mas porque acredito mesmo que é possível apreender algo novo.
    «Cada um gasta o seu tempo como quer», nem mais! Só gostava que todas as pessoas tivessem este facto bem presente, talvez perdessem mais tempo com a leitura, em vez de o perderem a chatear os outros

  2. Partilho da opinião quanto à releitura, embora não seja algo que faça com muita frequência. Agora que acabei os livros “por ler” na minha estante, passei à do quarto da minha irmã e reparei que há lá livros que já li há tanto tempo (quando não tinha muitos livros meus) que mal me lembro dos pormenores da história, por isso certamente que os vou reler muito em breve. Além disto, ando com uma vontade gigante para reler a saga de Harry Potter, porque li um livro recentemente sobre “As Lições de Vida em Harry Potter”, de Jill Kolongowski, e agora acho que gostava de ler os livros a prestar atenção a outro tipo de pormenores, a olhar com uma nova visão.
    Por isso, vamos lutar contra esse releiturofóbicos porque acho que são eles quem ficam a perder! 😉

    Beijinhos,
    https://inescm2.blogspot.com/

  3. Achei este post muito interessante. Eu durante muito tempo rejeitei a ideia de reler. Mas já mudei de ideias e já reli livros e tenho uma ideia de outros que quero reler. Às vezes acontece-me estar a ler um livro e pensei que tenho de o reler mais tarde porque aquilo agora não me está a soar bem, sabes? Concordo contigo, a nossa maturidade literária evoluir. Já li Nicholas Spark agora (um livro novo, não uma releitura) e não teve nem de perto nem de longe o mesmo impacto que tinha quando lia há 15 anos. Tenho imensa curiosidade de ler Harry Potter agora, por exemplo. Nunca mais voltei a ler, mas continuo a ver os filmes e a visitar as exposições, portanto acho que devia ler novamente.

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