Guest Post: A Psicologia e a saúde mental em período de COVID-19

A Psicologia e a saúde mental em período de COVID-19
Dalila Melfe
mestre em Psicologia Clínica e da Saúde

 

Este texto foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico. Foi escrito para este projecto e é reproduzido aqui com autorização da autora.

 

Agora, mais do que nunca, a saúde mental tem-se tornado um tema preponderante no nosso quotidiano. Assim, todos os testemunhos e toda a informação adicional sobre esta temática são cada vez mais bem-vindos para que nos possamos educar e contribuir para um maior bem-estar: para nós e para aqueles que nos rodeiam.

Os dados epidemiológicos referem que 1 em cada 5 portugueses pode vir a desenvolver perturbações mentais. No entanto, as idas ao psicólogo ainda são vistas por muitas pessoas como “coisa para malucos”, uma vez que a função do psicólogo ainda não é bem conhecida para todos.

Desmistificando a psicologia…

A Psicologia divide-se em três grandes grupos: clínica e da saúde, educacional e organizacional.

Psicologia Clínica e da Saúde

A psicologia clínica e da saúde trabalha com os indivíduos os seus problemas psicológicos, que surgem no seguimento das suas experiências de vida e da sua perceção dessas mesmas experiências. Realço aqui que o psicólogo não é um conselheiro

Ao longo do acompanhamento psicológico, o psicólogo procura, sim, trabalhar a vertente emocional, comportamental e relacional dos indivíduos, fomentando a utilização de ferramentas que lhe possam ser úteis à resolução dos seus problemas ou, no caso de não existirem problemas concretos, o psicólogo permite aos seus clientes uma visão mais holística (isto é, global) da sua própria vida, sob um prisma mais alargado.

O psicólogo clínico e da saúde, que podemos encontrar em centros de saúde, hospitais, clínicas privadas, consultórios, lares, etc, pode ajudar em problemáticas como depressão e ansiedade (ou apenas sintomatologia depressiva ou ansiógena), stress, perturbações de pânico e fobias, perturbações
alimentares, comportamentos aditivos ou outras perturbações mentais.

Para a realização de um acompanhamento psicológico é necessário ter em conta diversos aspetos

Em primeiro lugar, cabe ao psicólogo e ao indivíduo trabalharem em conjunto no estabelecimento de uma relação profissional, que deve ser fomentada com uma postura empática e de respeito onde exista confiança de ambas as partes. 

Neste seguimento, são desenvolvidos objetivos terapêuticos objetivos e  exequíveis que sejam definidos idiossincraticamente, isto é, adequados às particularidades de cada pessoa, os quais vão sendo alcançados e/ou reformulados mediante a realização de tarefas terapêuticas.

O objetivo máximo deste processo passa pela melhoria na qualidade de vida da pessoa e numa postura de autonomia que, na generalidade dos casos, dará origem a uma alta clínica.

Importa ainda frisar que, no momento de procurar um psicólogo para nos ajudar a trabalhar determinada vertente da nossa vida, devemos também considerar a formação de base do profissional.

Existem diversas abordagens teóricas, ou seja, diferentes formas de atuação, de percecionar o indivíduo e as suas vivências, dentro da psicologia. Assim, recomendo aqui a quem queira procurar acompanhamento psicológico que aprofunde também o seu conhecimento nesta área. Diferentes psicólogos identificam-se com diferentes áreas e o mesmo acontece também com os nossos clientes. O que resulta para uma pessoa não tem necessariamente que resultar para outra pessoa, e está tudo bem.

Pessoalmente, trabalho à luz da terapia cognitivo-comportamental (TCC). Contudo, a abordagem psicanalítica e a abordagem humanista fazem também sentido em diversas problemáticas, sendo que as três formas de intervenção apresentam resultados terapêuticos positivos.

Atualmente, vivemos num momento de crise que pode espoletar diversos triggers e a procura por apoio psicológico tende a disparar. Toda a incerteza e receio que a situação pandémica acentua veio trazer alterações profundas na vida de toda a gente, quer ao nível profissional, como pessoal, alterando assim os nossos quotidianos e aumentando significativamente o consumo de antidepressivos e ansiolíticos.

É neste panorama que as perturbações mentais têm vindo a ganhar uma maior visibilidade, nomeadamente na comunicação social. Uma das problemáticas que tem sido alvo dessa visibilidade prende-se com a sintomatologia ansiógena e com as perturbações de ansiedade. Nesta linha, incluo aqui algumas estratégias que podem ser utilizadas por todos e que têm como objetivo a redução dessa mesma sintomatologia. Estas orientações surgem de acordo com os pressupostos da abordagem cognitivo-comportamental.

Estratégias para lidar com sintomatologia ansiógena (de acordo com a TCC)

– Aceitar a ansiedade como parte integrante da vida: toda a gente sente ansiedade em diversos momentos da vida e isso não tem que ser, necessariamente, psicopatológico. Esta aceitação da ansiedade é a forma mais fácil de fazer com que ela reduza.

– Identificação de pensamentos ansiógenos: é fundamental conhecermos os nosso triggers, os gatilhos emocionais que espoletam essa ansiedade. Assim que temos esse ponto de partida, podemos atuar de forma racional sobre esses pensamentos e questioná-los, verificando, em muitos casos, que se trata apenas de exageros da realidade (catastrofizações). Questionar “O que é o pior que me pode acontecer?” ou “O que é que eu posso controlar nesta situação?” pode ajudar a minimizar a ansiedade.

– Fazer a ponte com situações idênticas no passado: recordar o que é que nos ajudou a reduzir a ansiedade noutras situações pode ser um ponto de partida para comportamentos ou atitudes adaptativos/as a utilizar em situações futuras (as nossas estratégias de coping).

– Realizar atividades prazerosas: ao fazermos algo de que gostamos e que nos faz sentir bem, acabamos por nos abstrair das nossas preocupações e por focar a nossa atenção em algo de que gostamos. Aqui podemos incluir leitura, pintura, yoga, caminhadas ou aprender uma língua nova.

– Relaxamento muscular e respiração diafragmática: são duas formas de reduzir a sintomatologia ansiógena que procuram aumentar a autoeficácia e o relaxamento.

É, mais do que nunca, preponderante que nos adaptemos a esta nova realidade de cuidados redobrados onde o distanciamento social (físico) nos é recomendado. Todas estas alterações nos causam uma pressão, nomeadamente psicológica, à qual não estávamos habituados. É importante que nos mantenhamos socialmente ativos e que não percamos os nossos contactos sociais: ligar à/ao amiga/o com quem não falamos há muito tempo, por a conversa em dia com os nossos familiares ou fazer uma reunião de Zoom com o nosso grupo de amigos (ainda que estejamos em período de desconfinamento, há cuidados que não devemos descurar, daí as minhas sugestões serem todas exequíveis à distância).

Além disso, caso sintas que precisas de ajuda profissional, podes procurar apoio psicológico (inclusivamente, existem já muitos psicólogos que têm disponível a possibilidade de consultas online) e podes sempre recorrer à linha de apoio 24 do SNS que tem já disponível também aconselhamento psicológico (808 24 24 24).

Se quiseres saber mais, podes consultar a página da Ordem dos Psicólogos Portugueses (nomeadamente este link) ou seguires o Instagram também da OPP.

Atualmente, são disponibilizados regularmente recursos que poderão ser úteis a todos, nomeadamente relativos ao regresso à rotina, gestão de recursos humanos em tempos de pandemia, intervenção com população sénior em tempo de covid-19, o papel do psicólogo perante este novo vírus, entre outras temáticas mais abrangentes.

Informa-te com fontes fidedignas e mantém-te seguros dentro da tua própria casa: o teu corpo e a tua mente. E procura ajuda sempre que necessário: é normal precisarmos uns dos outros e há sempre alguém pronto a ajudar.

Sobre a autora
Dalila Melfe
mestre em Psicologia Clínica e da Saúde

Tenho 25 anos e sou licenciada em Psicologia e mestre em Psicologia Clínica e da Saúde. Estou a realizar o meu ano júnior da Ordem dos Psicólogos Portugueses, no qual trabalho na minha área numa IPSS diretamente junto de adultos e idosos.

Gosto muito de aprender e estou sempre em busca de me enriquecer  profissionalmente com mais cursos e formações dentro da minha área. Faço aquilo que gosto e considero-me uma sortuda por ter esse privilégio logo no início do meu percurso. Além disso, encontro-me a realizar uma pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos por ser uma área que considero fascinante.

A nível pessoal, sou apaixonada por livros e sonho em ter a minha própria biblioteca em casa. Sou também apaixonada por pessoas e pela vida em geral. Gosto de ouvir música e de comer pipocas enquanto vejo os meus filmes. Sonho em mudar o mundo e trabalho nisso todos os dias com o impacto positivo que acredito ter no dia das pessoas que me rodeiam. Sou apologista de fazer tudo com um brilho nos olhos e é assim que encaro a vida.

Onde me podes encontrar:
Facebook | Instagram | Bookstagram

Porquê a Dalila e porquê falar sobre saúde mental?

Assim que comecei a pensar em temas para esta série de guest posts soube logo que um tema obrigatório seria a saúde mental. Por muito que consiga dar a minha perspectiva, acredito que não é suficiente e não é, claro, uma perspectiva de especialista. Queria algo mais, principalmente num ano que tem desafiado a saúde mental de toda a gente.

Não soube logo quem convidaria a escrever e até pedi sugestões no Twitter. Felizmente, conheço algumas psicólogas e, por isso, não estava completamente perdida. Uma dessas pessoas é a Dalila, pelo que, quando ela se voluntariou, não precisei de pensar muito antes de a pôr a par da minha ideia. Algo que não sabes é que, em Setembro do ano passado, a Dalila foi a primeira pessoa que notou que algo não estava bem com base em publicações de redes sociais. Talvez seja treino de psicóloga, talvez seja só atenção, mas é algo que nunca esquecerei porque ela notou o que ninguém próximo de mim quis notar.

6 Replies to “Guest Post: A Psicologia e a saúde mental em período de COVID-19”

  1. Sinto que me vou repetir ao longo destas semanas, mas que bela iniciativa. E que tema tão pertinente que procuraste aprofundar com a Dalila. Acredito mesmo que os testemunhos na primeira pessoa fazem uma diferença maior na nossa vida, além de, neste caso concreto, ajudar a desmistificar esta questão: «as idas ao psicólogo ainda são vistas por muitas pessoas como “coisa para malucos”».
    Saio daqui muito mais consciente. Não só ao nível do contexto profissional, mas também relativamente a maneiras de atuar.
    Obrigada ?

  2. Trabalho em constante articulação com a área da Dalila (TCC) e quantidade de coisas que já aprendi graças a estes colegas é inestimável. É extraordinário a diferença que fazem na vida de tantas pessoas e lamento profundamente que ainda exista tanto estigma em torno da profissão (e de procurar um). Felizmente, é algo que tem vindo a melhorar e a evoluir.
    Dou os meus parabéns a Dalila pelo artigo tão informativo e empenhado. A sua dedicação e gosto na área em que trabalha está espelhado em cada palavra.

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