melci: e isso tem a ver com jornalismo?

A culpa é totalmente minha. Ninguém me mandou escolher um mestrado com um título pomposo e que é puramente teórico e académico depois de ter feito uma licenciatura com um nome reconhecível e muito prática. Como muita gente desconhece também o facto de eu ter uma pós-graduação — ou, no limite, desconhece o que é uma pós-graduação — de vez em quando lá vem a pergunta: e isso tem a ver com Jornalismo?

Quando expliquei o que me motivou na escolha de um Mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes já tinha falado sobre isto anteriormente, mas queria reforçar. Já escrevi sobre se ainda vale a pena fazer um mestrado. Aí expliquei que este mestrado não está diretamente ligado nem a Jornalismo nem a Marketing Digital, as minhas áreas de formação. Mas não estar diretamente ligado não significa que não se ligue.

A vantagem de ter uma licenciatura que se move em cultura geral

Quantos mais anos passam mais agradecida fico ao meu eu de 13 anos que decidiu que queria ser jornalista e ao meu eu de 17 anos que decidiu que ou era na ESCS ou não era jornalismo. Estudar jornalismo, seja onde for, é um exercício interessante porque estamos a aprender mil e uma coisas da função de jornalista, desde escrever reportagens a trabalhar com microfones e programas de edição, mas estamos a aprender muito mais.

Um jornalista precisa de saber um pouco de tudo antes de decidir sobre que pouco quer saber tudo. Que é como quem diz: um jornalista precisa de ter uma grande cultura geral e ser capaz de saber o mínimo sobre todas as áreas em que pode escrever para depois saber em que área se quer especializar — caso se queira especializar. Quando eu fui estudar Jornalismo eu não me considerava assim tão inteligente ou culta. Talvez no núcleo de onde vinha fosse mais informada e soubesse mais coisas da atualidade, mas ali? Definitivamente senti-me burra muitas vezes.

Tive colegas como o João Francisco Gomes (Observador) ou o Ruben Martins (Público) que me fascinavam diariamente em todas as aulas — quando leio as reportagens deles agora ainda me fascinam, confesso. Quem os via em ação sabia que era impossível eles não virem a ser excecionais na área que escolhessem. Depois, lidei diretamente com a Mariana Lima Cunha (Observador), que me deu um voto de confiança numa altura em que eu achava que estava condenada a falhar, e via como ela era tão inteligente e culta e ficava fascinada. Sentia-me muitas vezes a pessoa mais burra da sala, o que se revelou um belo exercício porque aquele clichê era verdade: aprendemos mais quando estamos rodeados de pessoas que parecem saber mais do que nós.

Eu gostei de várias áreas, mas a maior parte fazia-me sentir insuficiente e todas me diziam que eu não tinha o que era preciso para ser jornalista. Tudo bem. Eu a meio do curso já sabia que queria ir fazer uma pós-graduação em Marketing Digital (o professor de Sociologia Política e Opinião Pública disse que era um excelente plano e eu aceitei a validação apesar de ter passado à cadeira com 10). No entanto quando chegou a cadeira de Contemporaneidade e Produção Cultural eu percebi que aquela era uma área que me interessava profundamente. Escrevi um ensaio curto sobre música e adorei — falei da Britney, dos One Direction e do Kurt Cobain. Foi o meu trabalho preferido do curso, provavelmente.

Jornalismo Cultural parecia-me uma opção viável. Sabia que precisaria de estudar muito para conseguir ser boa nessa área, mas parecia uma opção viável caso lá chegasse. Curiosamente, a minha primeira entrevista para estágios foi para jornalismo económico. Isto foi há uma vida, claro. Eu percebi depressa que não queria sujeitar-me a estágios não remunerados durante meses e percebi que, se calhar, também não era assim tão boa para jornalista.

No entanto, continuam a perguntar-me o que é que o mestrado tem a ver com Jornalismo e aqui me confesso: às vezes eu respondo dizendo apenas “então existe Jornalismo Cultural”, como se isso validasse a minha escolha de mestrado.

Não precisas de estudar algo académico para ser escritora, mas…

Eu quis este mestrado porque senti que precisava de abrir o meu mundo literário. Considero-me alguém que lê muito e conhece muito, mas sentia que precisava de mais e que este mestrado podia ser importante para isso. Para conhecer mais, para ganhar uma nova forma de pensar a literatura e a minha escrita.

Não precisas de estudar algo académico para ser escritora, mas… eu sinto que me ajudou. Tenho-me tornado muito mais atenta, muito mais informada e importada e eu gosto disso. Mas não estou aqui para ir para Jornalismo Cultural. Estou aqui para ser melhor em algo que me faz feliz. Tal como sei que investirei em formações mais práticas de várias áreas sempre que essas formações me vierem acrescentar algo.

Ainda vivemos presos à formação de origem

É um bocadinho triste pensar que ainda há uma certa resistência ou surpresa quando alguém faz uma licenciatura em algo e, depois, decide mudar de área. Como se tivesse perdido tempo ou algo assim. Eu acho que ganhei tempo. Aprendi muitas coisas na minha licenciatura que são fundamentais para a pessoa que sou hoje e para a profissional que sou hoje. Apesar de Jornalismo enquanto curso ser muito centrado, também é um curso muito polivalente. Ensina e incentiva a pensar, a ter um olhar crítico, a comunicar. E isso são fatores fundamentais seja para que área for.

Por isso não, Estudos Literários, Culturais e Interartes não tem a ver com Jornalismo. Mas também não deixa de ter a ver com Jornalismo. Eu não estaria aqui se não fosse o Jornalismo.

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