E quando nos sentimos assim?

Já passaram dois meses desde que o Chester morreu. Não tinha voltado a falar sobre o assunto, porque não sabia bem o que dizer nem como dizer. Sinto que uma parte de mim desapareceu também com ele e, sinceramente, a certo ponto, não sei se me é permitido sentir assim. Depois das duas semanas iniciais, a dormir mal e a ouvir as músicas dele quase sem parar, comecei a pensar ainda mais sobre a vida e cheguei ao ponto de não conseguir ouvir Linkin Park durante uns dias. A Kerrang! continua à espera de que tenha coragem para a ler. Custa-me muito escrever isto, mas sinto que tenho de o fazer.

Este ano, felizmente, as doenças mentais têm ocupado muito espaço de debate. Infelizmente, o debate sobre doenças mentais intensificou-se porque a doença venceu e alguém não conseguiu aguentar mais a luta. Tenho visto muitas pessoas falarem sobre a luta que travam diariamente contra a depressão; algumas são pessoas conhecidas, outras são pessoas anónimas. Pensei muito antes de escrever, mas sinto que talvez esteja na altura de falar sobre isto.

Não é porque não vemos que não existe

Lembro-me perfeitamente de, no ano passado, no dia em que publiquei um resumo do meu ano, ter dito que tinha tido um ano de merda e alguém ter dito que, pelo que via, eu até tinha tido um ano bastante bom. Achei a afirmação engraçada, porque é a prova de que não sabemos realmente o que se passa na vida das outras pessoas e é a prova de que o meu blog não mostra nem metade do que acontece na minha vida (e ainda bem). A verdade é que tive mesmo um ano de merda e, não querendo entrar em detalhes, desde o início de 2016 que uma pessoa próxima de mim luta contra uma depressão, pela segunda vez na vida.

A primeira vez que o termo depressão surgiu na minha vida eu tinha 11 anos e, sinceramente, por muito que compreendesse que era algo complicado e sério, tinha 11 anos e acho que, com o passar dos anos, reprimi muitas memórias e não foi algo tão assustador como se tornou depois. Claro que aquilo me marcou.

Foi naquela altura em que comecei a querer ouvir outro tipo de música com o objectivo de ter uma forma de escapar da minha realidade. Foi depois daquilo que comecei a querer criar realidades alternativas, a escrever ficção, a refugiar-me cada vez mais em livros e na escrita. A realidade consegue ser assustadora, principalmente quando temos 11 anos e não sabemos bem o que é uma depressão nem percebemos como podemos ajudar ou se podemos sequer ajudar.

No ano passado, depois de dez anos, o termo depressão invadiu a minha vida de uma forma tão assustadora que dei por mim a questionar como é que tinha lidado com tudo aos 11 anos.

Durante anos olhei para o Chester como uma rocha na minha vida. Por tudo aquilo que ele passou, por saber que também ele lutava contra este tipo de demónios, sabia que havia mais alguém no mundo que sabia aquilo pelo qual estávamos a passar e, de uma forma muito inocente, sentia que estava ali a minha força.

O primeiro dia de 2016 foi como um presságio para mim. Naquele dia senti que estava a entrar num dos anos mais complicados de que podia ter memória. Demorou um mês, mas no dia em que percebi que todo o meu mundo estava a desabar acabei por desabar um bocadinho com ele. Tinha de ser forte, queria ser forte, mas não me lembrava de como o ser. A depressão não afecta apenas quem a tem; afecta aqueles que rodeiam essa pessoa e eu sabia que era isso que se passava porque, desta vez, aos 21, já tinha idade suficiente para pesquisar e descobrir o que podia fazer. Mas não sabia mesmo o que fazer.

2016 foi um ano de merda. Não sei como consegui passar o ano todo sem que isso fosse revelado a mais pessoas fora do meu núcleo duro. Agarrei-me a pessoas que nem sabiam que estavam a servir como bóias. Claro que, nestas situações, tudo piora quando as nossas bóias começam a afastar-se e nós ficamos sem bóias e não sabemos se vamos conseguir aguentar-nos. Ainda hoje não sei como conseguimos ultrapassar 2016, principalmente quando, depois de eu ser desgastada emocionalmente num trabalho horrível, a Dama morreu e até eu perdi a força que me mantinha em pé. Mas ultrapassámos.

E quando a Heavy saiu e ouvi a letra percebi que, mais uma vez, os Linkin Park tinham vindo em meu socorro e tinham uma música que resumia o meu 2016 na perfeição. Claro que, depois, quando ouvi o álbum pela primeira vez, consegui ver que, na realidade, aquele álbum era demasiado o meu ano de 2016 para estar tudo bem. Claro que ouvi aquelas palavras e senti a dor do Chester e a minha. Mas, enquanto o álbum me ajudava a manter forte e acreditar que não voltaria a ver um ano como 2016, o mundo do Chester tinha muita dor acumulada.

Nunca sozinhos, mesmo quando nos sentimos assim

Nunca sabemos o que vai na cabeça dos outros, aquilo que sentem, aquilo que ocultam, os demónios contra os quais lutam. Quando os demónios vencem, dizemos que devíamos prestar mais atenção aos outros, aos sinais que nos dão. Mas eu não acho que seja assim tão simples. Às vezes, a única coisa que podemos fazer é ficar ali e esperar. Esperar que o outro queira falar sobre o que sente; esperar que um abraço e um amo-te derrotem algum demónio; esperar que consigamos ser fortes o suficiente para dar a força necessária ao outro.

Quando alguém que nos é próximo luta contra uma depressão, nós lutamos também. Sentimo-nos impotentes, achamos que temos alguma culpa, sentimos um peso ainda maior quando alguém nos diz que temos de ajudar e só queremos gritar porra, e a mim quem é que ajuda? Queremos estar lá para a outra pessoa, mas damos em doidos quando não sabemos o que fazer ou como fazer. Sentimo-nos egoístas quando nos sentimos felizes por um bocadinho e nos lembramos daquilo pelo qual a pessoa que nos é próxima está a passar. Tentamos dar o nosso melhor e esperamos que seja suficiente, mesmo que desesperemos de medo com a possibilidade de não estarmos a fazer tudo ao nosso alcance para ajudar.

Não sabemos realmente contra o que cada pessoa luta. Os outros não sabem contra o que lutamos. Mas não precisamos de lutar sozinhos. Lembra-te disso quando achares que estás sozinho no fundo do poço e que não há forma de recuperar. Não tenhas medo de assumir a dor que sentes, aquilo que te assombra. Recorre a alguém. Não sigas o meu exemplo de guardar tudo até não aguentar mais e rebentar.

A depressão não afecta só quem passa por ela, não muda só quem passa por ela. No meio desta tentativa de #MakeChesterProud, queria apenas dizer-te que a vida às vezes é mesmo uma merda. Não vale a pena estar aqui com tretas. A nossa mente pode atraiçoar-nos de formas que não imaginamos possíveis. Há doenças mentais que matam mais do que as doenças físicas, que doem mais do que a maior dor física que podem imaginar. Nem todas têm uma cura. Às vezes assombram-nos para a vida e temos de aprender a viver com elas. Um dia de cada vez, um dia melhor, outro dia pior.

Já está mais do que na altura de deixar de ter vergonha ou medo de assumir uma doença mental, de evitar ajuda terapêutica (psicólogos, psiquiatras, you name it) por puro preconceito. E também já está na altura de os tratamentos para estas doenças serem mais baratos, tanto a nível de consultas como de medicação ou terapias.

Mas acredita sempre que és importante, que há quem se preocupe com o teu bem-estar, quem queira ajudar-te. Não te esqueças de que não estás sozinho. Nunca estarás sozinho.

3 Replies to “E quando nos sentimos assim?”

  1. Infelizmente relacionei-me bastante com o teu texto. Com a impotência de querer ajudar mas não saber como, pela culpa de nos sentirmos felizes quando a outra pessoa está assim, com a noção de que o nosso amor por si só não é suficiente, mas pelo menos ajuda.
    Também não falo sobre isso porque a verdade é que o segredo não é "meu" para contar. Mas que é uma valente merda vermos alguém que amamos sofrer assim, é.
    Um abraço Sofia!

  2. Sofia, que publicação importante. Estou sem palavras mas tu tens-las todas. É um desabafo tão genuíno e orgânico que torna a tua mensagem ainda mais profunda e eu acredito que o teu testemunho vai fazer a alguém aquilo que o Chester fez contigo: ser um farol. No meio da imensa escuridão e solidão que a depressão provoca, tu vais ser o feixe de luz que os vai ajudar a encontrar um caminho e a perceber que, sim, há um porto seguro. É importante falarmos disto, seja de que forma for; contando testemunhos, expondo a doença, dizendo o que sentimos sobre ela e a nossa disponibilidade para a combatermos – por nós ou pelos outros -. Porque há sempre alguém do outro lado a precisar de ler isto. Alguém que talvez não seja fã de Linkin Park mas é tua fã. Que não conheça o Chester ou a história da sua vida mas conheça a tua. Parabéns, Sofia! Por reunires coragem para contares essa parte da tua vida – porque tenho a certeza de que não é simples nem o fizeste de forma leviana – e estares aqui, superando todos os dias uma batalha muito venenosa. A luz que irradias para os outros que estão perdidos vem de dentro de ti e isso não só é inspirador, não só é belo, mas também é muito poderoso. E uma miúda poderosa vai até onde quiser.

  3. Sofia, não podias tê-lo posto melhor. Chega de vergonha, de preconceitos parvos. A vida à vezes é uma merda – que é – mas quando não pedimos ajuda é ainda pior. Posto isto, percebo bem o teu lado: o lado de quem assiste, de quem se sente responsável por algo que não pode mudar. E no meu caso, por muito egoísta que possa ser, tive que pôr um travão a isso, antes que fosse eu pelo poço abaixo também. Dividi o peso com mais alguém, teve que ser, e agora é mais suportável. Às vezes é preciso. Comparo isto à situação de quem cuida de familiares com problemas de saúde graves. É preciso olhar para o doente, mas para o cuidador também. E, por isso nunca te esqueças de ti também. Um abraço apertado *

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