Manter a sanidade mental enquanto pessoa que escreve

Há uns meses li um artigo do The Guardian com um título que me fez pensar em tanta coisa que o guardei no Feedly com o propósito de o ler mais tarde e talvez escrever sobre o assunto. Chamava-se Why should authors read your bad reviews? e lembrou-me algo que escrevi, já não sei onde, sobre aquela vez em que avaliaram com 1 estrela um livro meu.

O artigo em questão abordava um pedido que a Angie Thomas, autora de The Hate U Give (em português, O Ódio que Semeias) e de On The Come Up. No final de Junho, Angie tinha pedido, no Twitter, que as pessoas não tagassem os autores em reviews negativas do seu trabalho. Não pediu que não as escrevessem; pediu que não a identificassem quando as partilhavam. Tudo isto com uma justificação: os autores também têm sentimentos. Será um pedido assim tão descabido?

As duas faces da moeda

Uma vez, há uns seis anos, escrevi uma opinião sobre um livro de um autor português. Foi um livro de que não gostei e disse exactamente isso no texto. Partilhei a publicação, como faço sempre, na página de Facebook do blog e fui à minha vida. O autor acabou por ver a publicação, sem estar identificado, e comentou com um bonequinho a sorrir. Eu conto esta história muitas vezes, mas não conto a minha reacção: quis esconder-me num buraco e nunca mais sair de lá.

Desde aí já escrevi e publiquei sobre muitos livros e, por isso, tenho aprimorado a forma como o faço e até escrevo menos sobre os livros de que não gosto, mas faço-o sempre com um certo peso na consciência: estou a criticar o trabalho de outra pessoa e sei bem o que custa para um autor saber que o nosso trabalho não correspondeu às expectativas.

Quando escrevo sobre um livro faço-o como leitora e não como autora e esse é um compromisso que fiz comigo própria quando decidi que queria tornar os livros um dos temas principais do blog. Quando partilho uma opinião tento explicá-la o melhor possível. Se a coloco nas redes sociais não identifico o autor se for uma opinião negativa. Porquê? Porque tenho plena consciência de que a Angie Thomas tem razão: os escritores também têm sentimentos e não precisam de opiniões negativas dos leitores.

O poder de uma palavra negativa

Em Outubro uma pessoa disse-me que a minha escrita não era – e passo a citar – grande coisa. E eu, que até aprendi a não querer saber das opiniões de outros numa série de aspectos, caí por completo. Disseram-me que não era boa na única coisa em que acho que sou boa e aquilo foi o único gatilho necessário para algo muito maior.

Primeiro, chorei muito: chorei onde estava, chorei em casa, chorei nos transportes, chorei na terapia. Hoje já não choro, mas continuo de ego ferido. Depois, voltou toda a questão de achar que não sou boa o suficiente e de me sentir uma merda. Por fim, a maior questão de todas: se aquela pessoa pensa assim será que todas pensam assim? Bem, se todas pensam assim então mais vale desistir já, não é? Se a minha escrita não é grande coisa então nem vale a pena tentar mais. O que importa se é a única coisa que me resta? Estás a ver onde isto vai dar, não estás?

A verdade é que nem sempre temos noção da forma como dizemos algo e certamente não temos noção de como aquelas palavras vão ter impacto na vida de quem as ouve. Portanto eu também não quero ler as opiniões negativas sobre a minha escrita. E isto não quer dizer que não as respeito ou que não quero que as escrevam. Simplesmente, quero preservar a minha saúde mental e tenho direito a fazê-lo. Eu não preciso de saber tudo o que acham de negativo sobre o que eu escrevo. E tal como eu, todos os outros autores sentem o mesmo.

Então, mas e as críticas construtivas e os leitores-beta?

Isto também é algo de que a Angie Thomas fala. Muitos autores optam por ter uma selecção de leitores-beta, além das pessoas mais próximas cujas opiniões valorizam. Os leitores-beta têm como objectivo transmitir ao autor tudo o que acharam sobre os textos, seja algo bom ou mau. É esse o objectivo logo não é a mesma coisa que receber opiniões negativas não solicitadas ou ter pessoas a identificar-nos em tweets e publicações de Facebook apenas para dizer o quanto o nosso trabalho não presta.

Imagina o seguinte: fazes um trabalho qualquer. Estás na tua vida quando, de repente, tens pessoas a identificar-te nas redes sociais para dizer o quanto o teu trabalho está mau. Não só é uma falta de respeito, mas também é uma atitude sem empatia e consideração pelos outros.

Resumidamente, cada um tem direito à sua opinião e não há um único livro no mundo que seja bom para toda a gente, mas não precisamos de esfregar a nossa opinião na cara do autor. Acho que essa é a grande questão. Não é uma questão de o autor ter a mania de que é o maior da aldeia, é mesmo uma questão de salvaguardar a saúde mental.

As opiniões são importantes, claro, e delas dependeremos para vender livros, mas não temos de as ver todos os dias, a lembrar-nos de que se uma pessoa acha que o nosso livro não prestou certamente haverá mais gente que pensa assim e se há mais gente que pensa assim então somos uma fraude e se somos uma fraude o que raio andamos a fazer com a escrita e… bem, percebes onde quero chegar, não percebes?

 

4 Replies to “Manter a sanidade mental enquanto pessoa que escreve”

  1. Por acaso, nunca me tinha ocorrido identificar o autor nas redes sociais, a não ser que este seja português e a probabilidade de ver seja grande :). Mas este post é uma verdadeira lição para mim e, no futuro, vou ter isso em consideração quando escrever e partilhar reviews (sendo que se forem más não identifico mesmo o autor).
    Beijinhos
    http://www.lifeofcherry.pt/

    1. Ainda bem que nunca tinha ocorrido fazê-lo em casos negativos! A verdade é que há mesmo pessoas que tendo uma opinião negativa fazem questão de o dizer muitas vezes ao autor, o que é só ridículo.

  2. As palavras têm um peso enorme, mesmo que não nos apercebamos disso. E por mais que se tente fazer chegar a mensagem de uma forma ponderada, sem ataques diretos, nunca sabemos como é que a pessoa do outro lado irá reagir. Portanto, tem que haver o mínimo de sensibilidade, porque, lá está, os autores não deixam de ser pessoas, de ter sentimentos e de se sentirem melindrados quando expõe o seu trabalho. Claro que, ao fazê-lo, sabem que serão sujeitos a críticas – positivas ou não -, mas é importante desenvolverem mecanismos de defesa.
    Enquanto leitora que partilha as suas leituras no blogue, procuro sempre ser justa nas minhas apreciações, mas faço-o com respeito. O mais provável é que o autor nunca chegue a ler. Mas e se acontecer? Não quero que questione o seu valor por causa disso, até porque não tenho qualquer direito de o colocar em causa.
    Crescemos imenso com opiniões negativas, quando são construtivas. Porém, esse lembrete constante não precisa de se perpetuar

    1. É exactamente isso! Se a opinião é dada de uma forma ponderada e bem justificada, ainda é aceitável, mas opiniões negativas só pelo objectivo mesmo de ser mau é daquelas coisas que nunca conseguirei compreender.

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